Nos dias 2 e 3 de maio, na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, foi realizado o Seminário de Saúde do Trabalhador, evento promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, em parceria com a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares do Ceará (RENAP) e a Confederação do Equador, voltado para discutir as implicações sociais e subjetivas do desrespeito à saúde do trabalhador, bem como promover reflexões relativas à saúde no trabalho. Em virtude da importância do tema na área trabalhista, o GRUPE não poderia deixar de estar presente e registrar os principais debates realizados.
Apesar da breve duração do Seminário, importantes temas foram levados a discussão. No primeiro dia, a palestra ministrada pelas professoras Raquel Rigotto e Bernadete Maria Coelho Freitas deu ênfase à expansão do agronegócio no Estado do Ceará e a violação dos direitos dos trabalhadores e de suas famílias. As palestrantes destacaram os contrastes entre a modernização da técnica agrícola (com o emprego de agrotóxicos) e a precariedade das condições de trabalho.
Além da degradação ambiental e do modelo de agricultura familiar, outras problemáticas foram apontadas com o agronegócio, como a expulsão do homem do ambiente rural, o uso de drogas e aumento da prostituição. Para contornar tal quadro, as professoras apontam dentre as soluções a resistência e a organização das comunidades e dos trabalhadores.
A palestra seguinte, com tema ligado ao papel da Justiça do Trabalho, do Ministério Público e Defensoria Pública na defesa dos direitos dos trabalhadores e famílias atingidas pela expansão do agronegócio no Ceará, contou com a presença do desembargador do trabalho e diretor da Escola Judicial do TRT - 7ª Região, José Antônio Parente, o procurador regional do trabalho da 7ª Região, Carlos Leonardo Holanda Silva, o vereador João Alfredo Telles Melo, o advogado da União no Ceará, Cezário Correa Filho, e o Chefe da Defensoria Pública da União no Ceará, Carlos Eduardo Barbosa Paz. Na oportunidade, destacou-se a importante atuação de cada instituição na valorização do trabalhador rural.
No segundo dia, os palestrantes Brasilino Santos Ramos, desembargador do trabalho do TRT da 10ª Região, e Regina Maciel, doutora em psicologia experimental e professora da Universidade de Fortaleza, teceram importantes considerações sobre o assédio moral e os prejuízos à saúde do trabalhador. Tal assédio caracterizado pela persistência e repetitividade, atos negativos, inadequados, abusivos e humilhantes, e dificuldade de a vítima se defender, principalmente pelo desequilíbrio de poder na relação com o agressor, é situação cada vez mais frequente no ambiente laboral. No serviço público, por exemplo, alcança, segundo pesquisa desenvolvida pela professora Regina Maciel, o alarmante índice de 38%.
Segundo os expositores, o assédio traz diversos prejuízos à saúde do trabalhador: psicossomáticos (hipertensão, dor de cabeça, dermatites, taquicardia, perda de peso), psicopatológicos (ansiedade, depressão, insônia, irritabilidade, problemas de concentração) e comportamentais (agressividade, isolamento social, disfunções sexuais, aumento do uso do álcool e de drogas) – o que impõe às autoridades os desafios de intervir no mundo do trabalho e nas condições em que os trabalhadores prestam serviços. É necessário discutir a prevenção do problema e exigir que as empresas garantam um ambiente de trabalho sadio.
No Brasil, lembraram os palestrantes, a própria cultura favorece a prática do assédio. A supervalorização hierárquica, o paternalismo nas relações, o apego ao poder, a evitação da incerteza e conflito com a postura do expectador são fatores que criam o cenário propagador do assédio moral. A conjuntura sócio-econômica também favorece, com as crescentes fusões, o desemprego, a diminuição dos postos de trabalho e a reestruturação produtiva.
Segundo a pesquisadora Regina Maciel, apesar de 66% dos trabalhadores afirmarem ter visto alguém ser assediado, a indenização concedida em tais casos ainda é muito pequena. Apenas se considera o dano isoladamente, sem aplicar punições à empresa, que deve ser obrigada a criar ações anti-assédio, nem se destinam valores a fundos e organizações voltados ao combate do assédio e à assistência de trabalhadores vítimas de tal prática.
A última palestra tratou de temas relacionados à saúde e doença no mundo do trabalho. Inicialmente, o procurador regional do trabalho da 15ª Região, Raimundo Simão de Melo, indicou que o Brasil é o quarto país no mundo em mortos por acidente de trabalho, sendo superado apenas pela China, Estados Unidos e Rússia. Os altos índices de acidentes no ambiente laboral, especialmente na construção civil, trazem enormes danos, prejudicando não somente o empregado, mas empregadores e a previdência.
O procurador ressaltou a ausência de programas educativos e preventivos de acidente de trabalho pelo poder público. O desenvolvimento econômico muitas vezes entra em conflito com a garantia de um meio ambiente laboral saudável. Na opinião do palestrante, o PAC, por exemplo, é responsável por grande parte do adoecimento do ambiente laboral. O Brasil, que experimenta a ampliação de relações comerciais no âmbito internacional, aproxima-se de países como a China, sem atentar para as condições de trabalho a que estão submetidos os chineses. Falta maior preocupação com a matéria no plano governamental.
Destacou, ainda, que falta boa ação do empregador e atenção por parte do trabalhador. À empresa cabe prevenir acidentes e condições que ponham em risco à saúde do empregado. Apenas quando isso não é possível, é que se deve fornecer EPI.
Encerrando o Seminário, o auditor fiscal do trabalho Mauro Khouri fez interessantes observações sobre a relação trabalho- saúde. O trabalho, que, hodiernamente, vem representando a causa para doenças, cansaços e outros impactos negativos, tem o seu significado invertido. Ressaltou que, na verdade, o trabalho aumenta a saúde e não a diminui. Ele é expressão da criatividade, é um ambiente de socialização, de trocas técnicas e emocionais, é um modo de o indivíduo ser útil e solidário, além de ser o principal meio de subsistência do homem. O mau trabalho é que quebra esse equilíbrio e inverte valores.
Destacando escritos bíblicos, como o Êxodo e o Pentateuco, que datam de séculos, além da obra de Bernadino Ramazzini, publicada em 1700, o palestrante salientou que é antiga a preocupação com a saúde do trabalhador. Não é por falta de conhecimento sobre os diversos riscos no ambiente laboral (riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, mecânicos e acidentes) que não se resolvem os problemas relacionados com a saúde do trabalhador.
Indicando que ocorrem cerca de 2.800 óbitos por acidentes de trabalho no Brasil por ano, dos quais 50% das mortes e mutilações são ocasionados por quedas de altura, choques elétricos e danos provocados por máquinas, o auditor Mauro Khouri revela que ainda são tomadas medidas estéreis nas causas geradoras de acidentes. Na maioria dos casos, a empresa não assume a responsabilidade e aponta o trabalhador como principal agente do acidente, seja porque não tomou cuidado, seja por porque não prestou atenção (frequente culpabilização da vítima).
Acreditando que há uma análise metodológica ainda equivocada quanto aos acidentes de trabalho e suas causas, o palestrante ressalta que os riscos são multiplicados com o rápido desenvolvimento tecnológico, enquanto que o conhecimento científico a respeito dos danos e os instrumentos legais de regulamentação do assunto são ainda lentos.
Ao longo dos debates, foram exibidas fotos tiradas durante várias inspeções de trabalho realizadas pelo auditor fiscal, demonstrando as péssimas e degradantes situações a que estão submetidos milhares de trabalhadores brasileiros. Ambientes sem qualquer higiene, conforto e segurança remetem a reflexões sobre o valor da dignidade do homem na sociedade contemporânea. As cenas destacam a necessidade urgente de adoção de medidas eficazes de prevenção a acidentes e de garantia de um meio ambiente saudável para o trabalhador.
* A grupeira Ana Karmen Fontenele Guimarães, com a valiosa colaboração da advogada Felícia Pinheiro de Albuquerque Lima, graduada pela Universidade Federal do Ceará, prestigiou as palestras e escreveu ao blog este relato, com fotos também fornecidas pela grupeira.
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