segunda-feira, 21 de março de 2011

As ameaças da globalização ao Direito do Trabalho e à justiça social

O órgão de cúpula do Poder Judiciário de Portugal sediou hoje (18/3) o último dia do 6º Congresso Internacional da Anamatra. O início da programação científica foi marcado pelo painel “Judiciário e Relações Sociais: uma Avaliação Crítica”, que trouxe como debatedores o professor Antonio Casimiro Ferreira, coordenador executivo do Programa de Doutoramento, Direito, Justiça e Cidadania do Séc. XXI das Faculdades de Economia e de Direito da Universidade de Coimbra e do Centro de Ensinos Sociais, e o professor espanhol Juan Ramón Capella, catedrático de Filosofia do Direito Moral e Política da Universidade de Barcelona. A mesa foi presidida pelo diretor da Anamatra José Ribamar Lima Júnior e contou com a participação do professor Antonio Baylos, da Universidad Castilla La Mancha.
Os dois pensadores expuseram sua preocupação com o futuro do Direito do Trabalho e das relações sociais no mundo. Para Casimiro e Capella, as crises econômicas, a globalização e a violência do mercado financeiro são uma  ameaça à justiça social e estimulam as relações de trabalho cada vez mais precárias e precisam ser repensadas.
Antonio Casimiro falou da dimensão social da crise de 2008 e de sua preocupação com as soluções que foram dadas para ela, em especial quanto à afirmação de que o Direito do Trabalho deveria ser um facilitador da economia e do desenvolvimento do mercado. “Ele vai perdendo a sua identidade”. Naquela época, segundo o painelista, o paradigma do pensamento liberal foi ganhando força e com ele a defesa de que as leis devem ser reformadas em nome do desenvolvimento econômico e do fortalecimento do mercado. “Havia uma distinção entre desenvolvimento social e economia”, disse.
Nos anos 90, segundo o painelista, a discussão sobre a reforma laboral se manteve, com novo desenho. “Já não se tratava de contrapor o mercado ao Direito, mas sim de insinuar que entre eles poderiam existir políticas que de alguma maneira sustentassem o desmantelamento do Direito do Trabalho”, explicou ao falar do conceito da flexisegurança  e da ideia de flexibilizar a legislação trabalhista.
Nos dias atuais, na visão do painelista, as respostas que vêm sendo dadas não são diferentes. “Isso é uma questão perturbante para as possibilidades futuras do Direito do Trabalho. O Direito do Trabalho está por um fio na Europa, na exata medida em que continua a ser assumido com um fator de competitividade e não de integração social”, disse, ao alertar para o que denominou como esvaziamento substantivo do Direto do Trabalho. “Quanto mais processos, menos substância discutimos, mais esvaziados vamos ficando a função da Justiça do Trabalho. Todas as formas alternativas, toda discussão sobre equidade ao invés da justiça. É uma constelação de coisas doces com as quais se procura dar resposta à dureza da crise”, alertou.
Ao final de sua exposição, Casimiro lançou ideias sobre as quais deposita a sua crença em uma melhoria para a situação atual: repensar a teoria de separação dos Poderes, já que o poder dos não eleitos (FMI, Banco Mundial, por exemplo) tem uma capacidade muito mais relevante que os demais; a necessidade de melhor articulação entre as questões sociais e a Justiça do Trabalho; e o entendimento da segurança de forma mais abrangente, para muito além do conceito de gestão, voltado aos direitos humanos. “Estamos em um ponto de não retorno. Temo pela projeção futura das reformas que deveriam conduzir para o desenvolvimento do mundo, mas trazem a precariedade, que não é só do mundo laboral, mas de toda a organização social”, alertou o painelista, ao deixar sua “intranqüilidade com o futuro do Direito do Trabalho”.

“A vontade do capital aparece maquiada com decisões de soberania popular”O filósofo Juan Capella iniciou sua exposição também falando da coerção econômica em detrimento dos direitos sociais das pessoas e dos salários diretos e indiretos dos trabalhadores. “A vontade do capital aparece maquiada com decisões de soberania popular”, disse, ao falar que o grande trabalho dos cientistas sociais hoje não é o de estabelecer as verdades, mas sim detectar as falsidades. “A verdade é que ninguém sabe muito bem onde está”, disse.
Para Capella, falar de direitos pressupõe falar de deveres. “Se não há obrigações e deveres sobre o que construímos o direito, não há direito”, disse ao ressaltar que esse deve ser um comprometimento tanto do poder público quanto das instituições privadas. “Se reconhecemos o direito ao trabalho das pessoas, mas não criamos os deveres jurídicos para fazer isso possível, o Direito do Trabalho está vazio no plano jurídico”. Outro ponto que deve ser levado em conta, segundo Capella, é o custo econômico dos direitos e deveres. “Alguns direitos têm custos secundários, sobretudo os sociais. E é dever do Estado cumprir seus próprios deveres”, disse.
Sobre o papel da magistratura, Capella falou de seu dever de modular, através de suas decisões, os deveres que correspondem aos direitos individuais. “Por outro lado, os direitos das pessoas não dependem só das magistraturas publicas, mas também em parte de instituições burocráticas públicas do Estado, que muitas vezes as delegam a pessoas privadas e submetidos a um autêntico regime disciplinador. As instituições que são criadas para tutelar as pessoas são as que impõem normas funcionais que acabam submetendo- as a situações de não direito”. 
Em  época da globalização, segundo o painelista, constrói-se “um exército internacional de mão-de-obra barata”.Para Capella, trata-se de um contexto político de desregulamentação. “O Estado impõe poucos deveres. É uma espécie de soberania sobrestatal, privada, que contribui para financiar a globalização. Algumas  questões presentes escapam da regulação estatal, por exemplo a proteção ao meio ambiente e as finanças globais”, alertou.
Ao final de sua exposição, Capella falou do que chamou de “barbarização social” e da necessidade de “inventar instituições novas, nas quais as pessoas tenham mais influência, que os sistemas políticos sejam efetivamente a vontade popular, governados por pessoas que pensam a longo prazo. Temos de inventar tudo isso. Recuperar uma política menos delegante e menos entregue”.

Fonte: http://www.anamatra.org.br/

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