domingo, 20 de março de 2011

Domingueira de março


O artigo deste mês foi escrito por Ana Karmen Fontenele Guimarães Lima, mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará – UFC, analista judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e integrante do GRUPE. O trabalho foi apresentado no XVIII Congresso Nacional do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, Fortaleza/CE, 2009.







TERCEIRIZAÇÕES ILÍCITAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E AS CONTRATAÇÕES TRABALHISTAS COMPULSÓRIAS 



RESUMO


A terceirização tornou-se, nas últimas décadas, uma importante modalidade de contratação de trabalhadores. Isto porque, com o repasse de atividades secundárias à prestadora de serviços, a empresa pode se concentrar nas suas atividades principais, o que lhe permite maior competitividade econômica, melhor qualidade e eficiência nos seus serviços essenciais. Embora possa ser utilizada pelo segmento público, verifica-se que a relação trilateral criada pelo fenômeno está sendo distorcida, ensejando diversas hipóteses de fraudes a direitos trabalhistas. Observa-se que não somente atividades executivas (limpeza, conservação, vigilância) da Administração Pública são desempenhadas por trabalhadores terceirizados, que vai de encontro à vedação constitucional expressa no art. 37, II e 2º, da CF/88. Além desses inúmeros casos de ilegalidade na condução dos serviços públicos, destaca-se, ainda, o descumprimento do que preconiza o art. 93, da Lei nº. 8.213/91, dispositivo que institui o sistema de cotas para deficientes. O presente estudo visa, portanto, analisar o fenômeno da terceirização e sua utilização pela Administração Pública, para, assim, descrever e analisar como a atuação do ente estatal favorece, nas terceirizações ilícitas, o descumprimento da lei que estabelece as admissões de trabalhadores deficientes no âmbito das empresas prestadoras de serviços.

PALAVRAS-CHAVES: Terceirização. Administração Pública. Contratação compulsória.


1. INTRODUÇÃO


Apesar de a terceirização ser fenômeno relativamente recente no Direito do Trabalho do país, o segmento privado da economia, nas últimas décadas, passou a incorporar, de forma crescente, práticas de terceirização da força de trabalho em inúmeros serviços ligados às áreas de organização da empresa (“atividades meio”).

As vantagens competitivas que a terceirização criam, especialmente no que se refere à redução dos custos da mão-de-obra, não foram apenas vislumbradas pela iniciativa privada. O segmento estatal também adotou práticas terceirizantes.
Ocorre que, não somente atividades meramente executivas, operacionais (limpeza, conservação, vigilância) da Administração Pública são desempenhadas por trabalhadores terceirizados. Inúmeros serviços ligados à finalidade estatal estão na incumbência de profissionais sem a prévia aprovação em concurso público, em clara inobservância ao disposto no art. 37, II e 2º, da CF/88. 
Além desses inúmeros casos de ilegalidade na condução dos serviços públicos, a ensejar a adoção urgente e necessária de medidas eficazes com vistas a coibir tais abusos, destaca-se, ainda, o descumprimento do que preconiza o art. 93, da Lei nº. 8.213/91, que determina a contratação compulsória de pessoas portadoras de deficiência, pelas empresas prestadoras de serviços terceirizados.
O presente estudo visa, portanto, analisar o fenômeno da terceirização e sua utilização pela Administração Pública, para, assim, descrever e analisar como a atuação do ente estatal favorece, em algumas hipóteses, o descumprimento da lei que estabelece as admissões de trabalhadores deficientes no âmbito das empresas prestadoras de serviços.
Tendo em vista que o assunto traz certa complexidade e, certamente, uma diversidade de críticas, o presente estudo, pela sua brevidade, apenas propõe analisar a relação trilateral criada pela terceirização, como referido fenômeno está inserido no contexto sócio-jurídico brasileiro e, por fim, o contexto em que se insere o descumprimento da legislação relativa às contratações trabalhistas compulsórias pelo agente que deveria promover a harmonia e o equilíbrio social, e não propiciar situações que ampliam a precarização do trabalho. 
Embora em nossas reflexões se identifique a importância das contratações forçadas para os trabalhadores que elas diretamente atingem, bem como a relação que possuem com a promoção de direitos fundamentais, particularmente os sociais, não será objeto da pesquisa apresentar um apurado exame acerca das contratações trabalhistas compulsórias. Além de o já fazermos em outra oportunidade, o elemento central aqui proposto é diverso, enfocando a problemática apenas no que tange à terceirização ilícita na Administração Pública.


2. BREVES CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DA TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA


A necessidade de concentração de esforços da empresa nas suas atividades essenciais, propiciando que os serviços complementares fossem executados por terceiros, ampliando, desta forma, os lucros e a competitividade do empreendimento frente aos demais no mercado, permitiu o surgimento do que se atualmente denomina terceirização.
O estímulo ao aprimoramento das técnicas de produção, ocorrida, segundo a maior parte da doutrina, com a segunda guerra mundial, impulsionou que as empresas aprimorassem suas atividades, tornando-as mais eficientes e com maiores e mais amplos resultados, ganhando otimização econômica e satisfazendo as necessidades dos consumidores.
 A terceirização surgiu, assim, como uma técnica de verticalização da estrutura organizacional da empresa, evidenciando que esta deverá procurar a qualidade final do produto, dedicando-se tão somente ao foco de sua atividade, delegando a terceiros suas outras tarefas. [1]
Incorporado gradualmente no processo econômico, o fenômeno da terceirização tornou-se, com a expansão de empresas multinacionais, imprescindível a qualquer empreendimento, especialmente diante da globalização, que exige o máximo de eficiência para se enfrentar a concorrência externa. Onde a disputa por novos pólos de consumo é acirrada, a terceirização contribui para a agilidade e para a versatilidade das empresas.
No Brasil, a terceirização vem sendo gradativamente implantada, tendo se iniciado na década de 50, com a chegada das multinacionais, principalmente as do setor automobilístico. Como indica Lúcio Flávio Apoliano Ribeiro:

Desde essa época até o final da década de 1980, a terceirização vinha sendo aplicada principalmente para reduzir custos com mão-de-obra. As empresas utilizavam-se desse recurso para obter vantagem econômica em atividades consideradas pouco significativas, não se preocupando com ganhos de qualidade, eficiência, especialização, eficácia e produtividade. [2]

A implantação de projetos sérios de terceirização traz inúmeras vantagens às empresas. Sobre os benefícios advindos da terceirização, José Janguiê Bezerra Diniz indica:

A empresa ciente ou tomadora tem a vantagem de receber um pessoal qualificado, experimentado, responsável, pronto a entrar em serviço sem delongas nem prévios contrato de prova’. Essa é a estratégia utilizada para as grandes empresas se distanciarem da ‘complexa atividade de gestão pessoal, confiando tais serviços a terceiros e podendo se dedicar totalmente às tarefas de produção. Poucos são os casos em que antigos empregados das empresas, sabendo da necessidade das mesmas, transforma-se em pequenos empresários prestadores de serviços especializados, oferecendo seus serviços para a sua antiga em empregadora, em face de conhecimento adquirido quando empregados dessas empresas. [3]

 O principal propósito que deve motivar a adoção da terceirização é o aumento da competitividade e da produtividade em decorrência da especialização, pela concentração de esforços no que é a vocação principal da empresa, bem como pela busca de uma maior eficiência na sua finalidade original. A especialização é tônica da terceirização, devendo cada empresa se especializar em sua atividade-fim.[4]
Apesar da inovação no plano da administração das empresas, o fenômeno é concebido com cautelas pela doutrina trabalhista. [5] A relação jurídica que surge com o processo terceirizante é distinta do modelo clássico empregatício, baseado apenas em uma relação bilateral (composta por empregador e empregado) e, por trazer tutela diversa pelo Direito do Trabalho, tende a ser vista como forma excetiva de força de trabalho. [6]
Maurício Godinho Delgado observa que:

Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido. [7]


Tem-se, assim, que a terceirização possui natureza jurídica contratual, já que consiste no acordo de vontades entre duas empresas, de um lado a contratante, denominada tomadora, e de outro lado a contratada, denominada prestadora, pelo qual esta prestará serviços especializados àquela, de forma contínua e em caráter de parceria. Na terceirização, não há, portanto, formação de vínculo de trabalho entre a empresa tomadora de serviços e o empregado, com quem apenas mantém relação civil.
Tal entendimento, no entanto, não prevalece nas hipóteses em que a pessoalidade e a subordinação hierárquica direta estão presentes na relação entre o empregado e a empresa contratante dos serviços terceirizados, ou, ainda, quando o trabalhador desenvolve suas atividades no estabelecimento da empresa locatária, com o uso de equipamentos desta, e o serviço é prestado nas dependências da empresa contratante, sem que haja um preposto no local, para dirigir e fiscalizar o trabalho, deixando essas tarefas para os gerentes da contratante.
Nestes casos, afasta-se o vínculo empregatício com a empresa prestadora de serviços, reconhecendo a empresa tomadora como a real empregadora, além de assumir a responsabilidade subsidiária pelas obrigações trabalhistas. [8]
Nesse sentido, Fernando Basto Ferraz salienta que:

[...] não há, na ordem jurídica do país, preceito legal a dar validade trabalhista a contratos mediante os quais uma pessoa física preste serviços não eventuais, onerosos, pessoais e subordinados a outrem, serviços considerados essenciais à dinâmica empresarial do tomador de serviços, sem que esse tomador responda, juridicamente, pela relação laboral estabelecida. [9]

Ressalte-se, outrossim, que a expressiva maioria da doutrina nacional defende, ainda, que a terceirização só pode estar ligada às atividades-meio – aquelas que não se dirigem ao núcleo da atividade empresarial, sendo somente caminho para alcançar a atividade final, permanecendo a empresa tomadora de serviços com sua atividade-fim – onde se compreendem todas aquelas ligadas à finalidade precípua da empresa. [10]
Persiste, no entanto, a dificuldade em se estabelecer quais atividades podem ser objeto de terceirização, para se evitar a ocorrência de fraudes aos direitos dos empregados. A delimitação dos serviços intermediários e os essenciais da empresa devem ser melhor esclarecidos, o que propiciaria evitar a ocorrência de nefastos artifícios para a precarização dos direitos dos obreiros.
Amauri Mascaro esclarece que:

[...] as empresas têm terceirizado em hipóteses mais amplas e em alguns casos assumem riscos extrapolando a área em que é possível terceirizar, que é a das atividades-meio, o que é inevitável dada a insuficiência do referido critério. É que há atividades coincidentes com os fins principais da empresa que são altamente especializadas e, como tal, justificar-se-ia plenamente, nas mesmas também, a terceirização. O processo mundial de terceirização desenvolveu-se em função da necessidade de empresas maiores contarem com a parceria de empresas menores especializadas em determinado processo tecnológico. [11]


As terceirizações oferecem muitas vantagens às empresas que a utilizam, com vistas a ampliar sua produtividade no mercado. [12] O empreendimento passa a ter estrutura administrativa simplificada, sem se preocupar com os setores de apoio, podendo se concentrar em sua produção principal. Ela deve ser vista como um avanço das técnicas de produção e administração que possibilita maior número de empresas em funcionamento, torna mais ágil a prestação de serviços e possibilita o desenvolvimento e a competitividade entre as empresas. [13]
Não se permite é que os benefícios que a terceirização proporciona possam servir de mecanismo de aviltamento da mão-de-obra por interposta empresa, explorando o trabalho alheio como mercadoria, objeto de comércio.
Como bem defende Eduardo de Azevedo Silva:

O que não se pode admitir, isso sim, é o tráfico de mão-de-obra, ou seja, o marchandage. Porque ai é evidente a fraude, ensejando a aplicação do disposto no art. 9º da CLT. Mas, afastada a prestação de serviço, ainda que esse serviço seja inerente à atividade principal do empreendimento. [14]

Não se pode deixar de lamentar o fato de que ainda hoje existam empresários que utilizam a terceirização com a finalidade de fraudar as normas tutelares do trabalho, através da redução de direitos dos empregados. Neste particular, é que se revela extremamente importante a atuação da fiscalização do Ministério do Trabalho, para combater as diversas hipóteses de fraude à lei com que se defronta no dia-a-dia.


3. NORMATIVIDADE JURÍDICA SOBRE A TERCEIRIZAÇÃO

Realizado um breve estudo acerca do fenômeno da terceirização, permitindo-se identificar as vantagens que a modalidade de contratação de trabalhadores proporciona às empresas, resta, neste momento, identificar o âmbito de normatização da matéria.
A terceirização é fenômeno relativamente recente no Direito do Trabalho brasileiro, apenas alcançando amplitude de dimensão nas últimas décadas do século XX.
 À época da elaboração da CLT, não se tinha qualquer diploma jurídico sobre o modelo trilateral terceirizante. O texto celetista apenas mencionava a empreitada e a subempreitada (art. 455) como formas de subcontratação de mão-de-obra. Somente entre as décadas de 1960 e 1970, institui-se uma referência normativa acerca da terceirização – ainda não designada sob tal epíteto, relativa ao segmento estatal.

O Decreto-Lei nº. 200/67 (art. 10) e a Lei nº. 5.645/70 estimularam a prática de descentralização administrativa, através da contratação de serviços de apoio, ligados à área operacional da Administração Federal.
 Segundo o Decreto nº. 200/67, a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada (art. 10, caput).  O diploma dispõe que:

§7º. Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, a execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Embora a legislação citada induza que tarefas instrumentais deverão ser repassadas à execução indireta, não houve a delimitação da extensão da terceirização na administração pública. Nesse sentido, adveio a Lei nº. 5.645/70, esclarecendo que:

Art. 3º. Omissis.
[...]
Parágrafo único. As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução mediante contrato, de acordo com o art. 10, §7º, do Decreto-Lei nº. 200/67 [...].


Analisando o rol previsto na Lei nº. 5.645/70, verifica-se que o legislador cuidou em limitar a terceirização apenas às atividades-meio da Administração Pública. Não há permissivo legal à terceirização em atividades precípuas (atividades-fim) dos tomadores de serviço.
Pode-se citar, ainda, o Decreto nº. 2.271, de 7 de julho de 1997, que dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, como orientação quanto à limitação de contratação desse tipo de serviço. Eis a redação do dispositivo:

Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

§1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, repografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão de preferência, objeto de execução indireta.

§2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoas.


Na seara privada, a regulação da terceirização deu-se, inicialmente, com a Lei nº. 6.019/74, que permite o trabalho temporário em atendimento a necessidades transitórias de substituição pessoal regular e permanente da empresa tomadora, assim como diante da necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços (art. 2º), [15] e a Lei nº. 7.102/83, alterada posteriormente pela Lei nº. 8.863/94, que prevê a sistemática de terceirização permanente para os serviços de vigilância patrimonial de qualquer instituição e estabelecimento público ou privado, inclusive segurança de pessoas físicas, além do transporte ou garantia do transporte de qualquer tipo de carga (art. 10 e seus parágrafos).
A par das duas referências legais, o processo terceirizante expandiu-se largamente no segmento privado fora das hipóteses previstas pela legislação. Sem a regulamentação expressa em textos trabalhistas, a jurisprudência brasileira encontrou dificuldades de assimilar a inovação que desafiava a fórmula clássica de relação empregatícia bilateral. 
Apenas na década de 1980, o Tribunal Superior do Trabalho fixou súmula a respeito do problema. Através da Súmula 256, o TST incorporou orientação restritiva dos casos permissivos de contratação de trabalhadores por empresa interposta. Senão vejamos:

Salvo os casos previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.74 e 7.102, de 20.6.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

No entanto, como observa Maurício Godinho Delgado:

[...] a mencionada súmula pareceu fixar um leque exaustivo de exceções terceirizantes (leis n. 6.019/74 e 7.102/83), o que comprometia sua própria absorção pelos operadores jurídicos. Afinal, as expressas e claras exceções contidas no art. 10 do Decreto-Lei n. 200/67 e Lei n.5.645/70 – exceções consubstanciadoras de um comando legal ao administrador público- não constavam do leque firmado pela súmula em exame. A par disso, a posterior vedação expressa de admissão de trabalhadores por entes estatais sem concurso público, oriunda da Carta Constitucional de 1988 (at. 37, II, e §2º), não tinha guarida na compreensão estrita contida na Súmula 256. [16]



Diante da acirrada polêmica judicial acerca do entendimento incrustado no verbete da referida súmula, em 1994, o TST revisou o texto anterior e editou a Súmula 331, na qual indica:

Contrato de prestação de serviços. Legalidade – Inciso IV alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000:
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.



Em 2000, o inciso IV recebeu nova redação, para indicar que a responsabilidade subsidiária abrangia também “os órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista”.
Com o advento da Súmula 331, e suas alterações posteriores, o Tribunal Superior do Trabalho tentou superar as críticas que pairavam sobre a súmula anterior, assimilando as leis que dispunham sobre a matéria (Lei nº. 6.019/74 e Lei nº 7.10/83) e a vedação constitucional de contratação de servidores sem o prévio concurso público. Elencou as hipóteses cabíveis de terceirização no país, promoveu a distinção entre atividades-meio e atividades-fim do tomador de serviços, marcando um dos critérios da aferição da licitude da relação terceirizante, e, ainda, a natureza e a extensão da responsabilidade decorrente da terceirização.


4. A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Como indicado em linhas anteriores, o segmento estatal foi o primeiro a receber previsão normativa acerca da utilização da terceirização em suas atividades. Poderá o ente público possuir pessoal terceirizado, conquanto esteja este empregado em atividades-meio (segundo a Súmula 331 TST).

A prática é até estimulada, para impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa. Permite-se a descentralização dos serviços, principalmente daqueles que se relacionam com as áreas de apoio, organizacional (limpeza, conservação, vigilância).
Embora seja cabível a contratação de mão-de-obra indireta, há, no caso da Administração Pública, peculiaridades a serem observadas em relação ao fenômeno terceirizante no âmbito privado, especialmente no que se refere ao reconhecimento de vínculo empregatício nos casos de terceirização ilícita [17] praticada pelo Poder Público e, ainda, no tocante à extensão da responsabilidade por débitos trabalhistas.
Isto porque a Constituição Federal de 1988 determinou a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos como requisito indispensável para a investidura em cargo ou emprego público, considerando nulo o ato de admissão efetuado sem a observância de tal requisito: [18]

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[...]

§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

 
Neste sentido, juridicamente, não há como acatar-se a relação empregatícia com entidades estatais mesmo nos casos de terceirização ilícita, tendo em vista que o requisito formal do concurso público não terá sido cumprido.
Como anota Maurício Godinho Delgado:

O que pretendeu a Constituição foi estabelecer, em tais situações, uma garantia em favor de toda a sociedade, em face da tradição fortemente patrimonialista das práticas administrativas públicas imperantes no país. Tal garantia estaria fundada na suposição de que toda a administração e patrimônios públicos sintetizam valores e interesses de toda a coletividade, sobrepondo-se, assim, aos interesses de pessoas ou categorias particulares. [19]



A despeito de a vedação constitucional ter sido absorvida pela Súmula 331 do TST (inciso II), o tema ainda não se pacificou inteiramente na jurisprudência, especialmente em virtude de o texto de referida súmula não ter respondido a algumas indagações sobre os efeitos da terceirização ilícita praticada por parte da administração estatal. [20]
Nesse contexto, surgem diversas correntes interpretativas que tentam superar o problema. A primeira defende o texto constitucional, sustentando que a ausência de vínculo empregatício também ensejaria a falta de comunicação de qualquer diferença trabalhista em prol do trabalhador ilicitamente terceirizado. Há outra que se põe em pólo oposto, indicando que a prática ilícita não poderia beneficiar aquele que já foi desfavorecido. Na hipótese, confere validade ao vínculo jurídico com o ente estatal tomador de serviços, que assume a posição de empregador. Uma terceira, em posição intermediária às outras, tenta harmonizar a vedação constitucional ao reconhecimento do vínculo empregatício com entidades estatais sem concurso público com outras regras e princípios também relevantes, como, por exemplo, o princípio isonômico. [21]
De fato, embora a última corrente tenha sido mais prestigiada pelos Tribunais, reside a dificuldade de compatibilizar-se a regra do concurso público com o tratamento igualitário a ser conferido a trabalhadores que prestam idênticos serviços na mesma entidade estatal, com a única distinção de um ser servidor e o outro ilicitamente terceirizado. Que motivo seria gravado de um mínimo de razoabilidade para justificar a diferenciação?
Na tentativa de afastar os efeitos perversos da terceirização ilícita, confere-se, através da Súmula 331 do TST, à Administração Pública a responsabilidade subsidiária[22] pelos encargos trabalhistas não pagos pela empresa prestadora de serviços. [23]
Outrossim, o ente estatal se incumbiria, subsidiariamente, de assegurar ao trabalhador todas as verbas trabalhistas legais e normativas aplicáveis ao empregado estatal direto que cumprisse a mesma função no ente estatal ou aquelas verbas próprias à função específica exercida pelo terceirizado junto ao tomador estatal beneficiado com o trabalho. Em qualquer dos casos, conferir-se-ia a comunicação e a isonomia remuneratória, propiciando que o ilícito trabalhista não perpetre maiores benefícios ao seu praticante.
 O reconhecimento desta responsabilidade, entretanto, também oscila na doutrina e na jurisprudência, tendo em vista o teor do art. 71, da Lei nº. 8.666/93, que dispõe:
Art. 71 - O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
                                 
§ 1º - A inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste artigo, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de imóveis.

Sob a ótica da lei das licitações, está expressamente ressalvado que a entidade estatal não seria responsável pelo pagamento de qualquer encargo trabalhista, previdenciário, fiscal ou comercial não cumprido pela empresa terceirizada contratada. A Administração Pública não se transforma em devedora solidária ou subsidiária perante os credores da empresa de serviços.
A orientação que a regra reflete, por se mostrar bastante prejudicial ao trabalhador, encontra até resistência por parte de abalizados administrativistas, já que não incorpora as concepções de um Estado Democrático de Direito. [24]
A responsabilidade da administração Pública pelas dívidas trabalhistas já foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal através do controle constitucional difuso, no entanto não foi apreciado o mérito das ações, por se tratar de questão infraconstitucional, estando, portanto, fora da competência da Corte. [25]
O tema ainda mereceu questionamento com a ADC nº. 16, ainda não julgada pelo STF. Pela importância, destacamos o despacho que negou a liminar, determinando o prosseguimento da ação:

Decisão: 1. Trata-se de ação direta de constitucionalidade, com pedido liminar, movida pelo Governador do Distrito Federal, em que se busca o reconhecimento e a declaração de que o art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93, é válido segundo a ordem constitucional [...] Inviável a liminar. A complexidade da causa de pedir em que se lastreia a pretensão impede, nesse juízo prévio e sumário, que se configure a verossimilhança necessária à concessão de medida urgente. Com efeito, seria por demais precipitado deferir, neste momento, liminar destinada a suspender o julgamento de todos os processos que envolvam a aplicação do art. 71, §1º, da lei nº. 8.666/93, antes que se dote o processo de outros elementos instrutórios aptos a melhorar moldar o convencimento judicial. A gravidade de tal medida, obstrutora do andamento de grande massa de processos pendentes em vários órgãos judiciais, desaconselha seu deferimento, mormente em face de seu caráter precário. (STF, MC em ADC nº. 16, Plenário, Rel. Min. Cezar Peluso, liminar em 10.05.2007, DJ de 17.05.2007) 



Desta feita, enquanto o Supremo não resolver o impasse, continuarão surgindo diversas soluções jurídicas para aferir a responsabilidade trabalhista da Administração por encargos devidos pelo particular aos empregados dele.

Verifica-se, portanto, diante das considerações feitas neste tópico, que muitas questões relacionadas à prática da terceirização ilícita no âmbito da Administração Pública ainda não foram resolvidas, o que dificulta o entendimento, bem como o enfretamento de situações que se mostram nocivas ao trabalhador.
Embora se reconheça a prevalência do interesse público na matéria, não se pode afastar a dignidade do trabalhador terceirizado, sob pena de comprometer os fundamentos em que se erige o atual Estado Democrático de Direito Brasileiro. A atual experiência social-democrática demonstra que situações aviltantes de trabalho devem ser repelidas, evitando a exploração do homem, especialmente em face de interesses puramente econômicos.
Nesse sentido, será objeto de análise no próximo tópico a dificuldade da efetividade das normas que determinam a contratação compulsória de determinados trabalhadores nas hipóteses de terceirização ilícita praticadas pela Administração Pública.



4. AS CONTRATAÇÕES TRABALHISTAS COMPULSÓRIAS E AS TERCEIRIZAÇÕES ILÍCITAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.



Apesar das diversas discussões que se travam na doutrina e na jurisprudência brasileira acerca da terceirização na Administração Pública, não tivemos acesso a qualquer estudo sobre a temática aqui proposta. Por se tratar de matéria bastante específica, que está inserida dentro de um contexto relacionado ao fenômeno terceirizante, não houve ainda um amadurecimento científico para analisar os efeitos decorrentes da ilicitude de terceirizações que comprometem a efetividade das leis que impõem a contratação de determinados trabalhadores, até mesmo porque quanto a este tema poucas pesquisas foram feitas. [26]
Embora se conceba que a relação trabalhista possua a natureza contratual, o que, a priori, indica a liberdade do empregador para admitir livremente seus funcionários, pode-se constatar situações em que a contratação de alguns trabalhadores é compulsória. São previstas hipóteses em que não se confere margem de liberdade para o empregador escolher quem devesse contratar ou não. Simplesmente a lei, com suporte em fundamentos específicos, impõe que determinados sujeitos sejam admitidos nas empresas.
Tais contratações ora são determinadas como reserva de mercado para aqueles que, de outra forma, dificilmente conseguiriam emprego, ora como interesse da sociedade, que requer o exercício de certas atividades por quem, além da competência legal que lhe é conferida, possua formação científica para praticá-las. É o contexto em que se inserem, por exemplo, as pessoas portadoras de deficiência (art. 93, Lei nº. 8.213/91), os aprendizes (art. 429, da CLT, com redação dada pela lei nº. 10.097/2000), o farmacêutico (Lei nº. 3820/60, art. 24; Lei nº. 5991/73), o químico (art. 335, CLT), o professor de ensino superior com titulação de mestre ou doutor (Lei nº. 9394/96, art. 52; Decretos nº. 57862006 e 5773/2006).[27]
Para a especificidade deste estudo, destaca-se o caso dos empregados portadores de deficiência, já que os demais profissionais guardam tratamento próprio, pela relação jurídica que criam com a empresa empregadora, não suscitando os questionamentos objeto desta análise. 
A despeito de representarem contingente expressivo, no Brasil e no mundo, as pessoas portadoras de deficiência estiveram, ao longo da História, à margem da sociedade, excluídas pelos preconceitos com que eram e ainda são tratadas.
As preocupações com a pessoa portadora de deficiência para o direito do trabalho surgiram, apenas, a partir da Revolução Industrial, quando as guerras e epidemias deixaram de ser as únicas causas das deficiências, e o trabalho, prestado em péssimas condições nas fábricas, deixou muitos operários mutilados e com doenças profissionais, sendo necessária a criação do próprio Direito do Trabalho, assim como um sistema de seguridade social a possibilitar, principalmente, a reabilitação dos acidentados.
A tal fato, acrescente-se a eclosão da II Guerra Mundial, fato que acentuou as preocupações com os portadores de deficiência, tanto em relação aos militares como aos vitimados civis. [28] Foi, nesse contexto, que surgiram sistemas de reserva de mercado a incorporar, inicialmente, os feridos das guerras e, depois, os deficientes não-combatentes.
As políticas internacionais de incentivo ao trabalho das pessoas com deficiência envolvem providências que vão desde a reserva obrigatória de vagas até incentivos fiscais e contribuições empresariais em favor de fundos públicos destinados ao custeio de programas de formação profissional, no âmbito público e privado.
No Brasil, o Constituinte de 1988 não se afastou da política traçada pela legislação estrangeira e dedicou diversos dispositivos à proteção das pessoas portadoras de deficiência. Verifica-se a cuidadosa atenção com que a Constituição trata as pessoas portadoras de deficiência, a fim de lhes propiciar o bem-estar pessoal, social e econômico.
Nesta seara é que se estabelece o dever do Poder Público e de seus órgãos de assegurar a tais pessoas o pleno exercício de seus direitos básicos, dentre os quais o direito à educação, à saúde, ao lazer, ao amparo, à infância, à maternidade e ao trabalho se encontram inseridos.
Quanto ao acesso ao mercado de trabalho, a Carta Magna vedou qualquer forma de discriminação nos salários e critérios de admissão do trabalhador em tal situação (art. 7º, inciso XXXI), assim como exigiu que lhe fosse reservado percentual dos cargos e empregos públicos (art. 37, inc.VIII). [29]
Em relação à reserva de vagas em certames, o legislador inseriu na Lei nº. 8.112/90 (Estatuto dos funcionários públicos civis da União) a obrigatoriedade de reserva de 5% a 20% (cinco a vinte por cento) das vagas existentes para preenchimento por portadores de deficiência (art. 5º, §2º).
O tratamento dispensado a tais indivíduos no mercado de trabalho não existe somente no âmbito do poder público. [30] Na seara privada, a admissão de pessoas portadoras de deficiência é obrigada pelo legislador infraconstitucional.
A contratação de minusválidos funciona, no Brasil, através de um sistema de reserva legal de vagas ou cotas, voltado para a inserção e participação de tais pessoas no mundo do trabalho:

Trata-se de um mecanismo compensatório, inserido no contexto de ação afirmativa que busca a igualdade de oportunidade de grupos em relação ao contexto social mais amplo. Fundamenta-se no princípio da inclusão que encarna o direito de todos aos serviços de educação, saúde e assistência social; ao trabalho; a acessibilidade; ao lazer, esporte, etc., e no reconhecimento de que todo o cidadão, não importa sua condição, tem o direito de acesso aos serviços e recursos que melhor atenderem as suas necessidades (empowerment). No direito comparado, o sistema de cotas é adotado por países como a Itália, Alemanha, França, Espanha, Argentina e Venezuela.[31]


O sistema brasileiro de cotas para deficientes está expresso na Lei nº. 8.213/91, que, ao dispor sobre os planos de benefício da Previdência Social, impõe, em seu art. 93, que a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com pessoa portadora de deficiência habilitada. [32]
O descumprimento à lei enseja a aplicação de multa, que pode variar de R$ 1.156,83 (mil cento e cinqüenta e seis reais e oitenta e três centavos) a R$ 115.683,40 (cento e quinze mil seiscentos e oitenta e três reais e quarenta centavos), conforme disciplinado pela Portaria nº. 1.199, de 28 de outubro de 2005, do Ministério do Trabalho e Emprego.

O legislador ordinário, atento às necessidades de incorporar tais pessoas no mercado de emprego, estabeleceu que empresas inseridas em determinadas situações, estariam obrigadas a contratar deficientes.[33]
Trata-se de uma medida de cunho coercitivo, que obriga a admissão de certa quantidade de empregados em situação especial, sob pena de seu descumprimento ensejar a aplicação de penalidades, e que é intensificada pela previsão de que a despedida de um deficiente apenas ocorra quando se der a contratação de outro em situação semelhante (quando não satisfeita a quota prevista).
Se o mandamento legal não reservasse vagas nas empresas a tais trabalhadores, dificilmente conseguiram emprego no competitivo mercado. [34] Se o sujeito sem qualquer restrição física está submetido a uma implacável seleção natural forçada pela atual competitividade, o que dirá daqueles que não contam com a potencialidade de seu vigor físico e, ainda, precisam romper com as quase instransponíveis barreiras do preconceito.[35]
Por outro lado, deve-se constatar que a inclusão das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho é uma importante medida em prol da efetiva realização de direitos fundamentais de tais indivíduos. Possibilitar o acesso ao trabalho permite-lhes integrar-se na sociedade, conquistar seu pleno desenvolvimento, propiciam-lhe a cidadania.

Como indica Gérson Marques,

A inclusão da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho não é simples medida demagógica ou “caridosa”. Existem importantes motivos de ordem econômica e política que fundamentam esse tratamento diferenciado. Ora, se essa pessoa não tem fonte própria de renda, será improdutiva. Por conseqüência, ou o Estado ou a sociedade (por meio de entidades beneficentes ou filantrópicas) deverão arcar com o seu sustento. A partir do momento que se assegura a vaga reservada por meio de cotas, possibilita-se que a pessoa portadora de deficiência obtenha, por ela própria, fonte de renda, eximindo o Estado e a sociedade deste encargo, além, é óbvio, de dar-lhe condições de se integrar à comunidade, efetivando-se os princípios a cidadania e da dignidade da pessoa humana. A existência das cotas, portanto, é de absoluto interesse do Estado e da sociedade como um todo.[36]

A despeito do disposto no art. 93, da Lei nº 8.213/91, muitas empresas que prestam serviços de terceirização de mão-de-obra, e que estão inseridas no âmbito de incidência da mencionada lei, encontram sérias dificuldades em cumprir o mandamento legal e, por isso, são punidas com severas multas.
A práxis demonstra que numerosas empresas de terceirização apenas funcionam com contratos firmados com a Administração Pública. Não sendo selecionada pelo processo de licitação (ou, ainda, nos específicos casos em que ocorre a dispensa do certame), a maioria delas não consegue se manter no mercado.
Embora o ente público ajuste com a empresa contratada a prestação de serviços de mão-de-obra, os trabalhadores que deveriam formar o quadro de funcionários da terceirizada, na verdade, tratam-se de pessoas escolhidas pelos gestores públicos. Existe, apenas, a formalização do contrato empregatício entre a empresa e o obreiro, mas quem, de fato, realiza a seleção e aloca o empregado (certamente, antigos eleitores, apadrinhados, familiares) em determinada função é o administrador público.
Essa manobra imoral, encoberta por uma disfarçada contratação de terceirizados, permite manter enorme contingente de servidores temporários de forma irregular, funcionários terceirizados em funções próprias de atividades essenciais, permanentes e finalísticas no serviço público, cujos cargos deveriam ser preenchidos via concurso público.
A despeito de o atual Texto Constitucional repugnar tal prática, fechando os espaços para a contratação de empregados, através da CLT, sem prévio concurso público, os velhos caciques da política, impregnados pela cultura do empreguismo, apadrinhamento e nepotismo, práticas corriqueiras na Administração Pública Brasileira desde os primórdios da colonização, não titubeiam em desconsiderar a Constituição (e demais leis), admitindo trabalhadores via terceirização ilícita.
A cada nova gestão pública, dá-se continuidade à prática clientelista, às expensas do contribuinte, para, desse modo, agraciar eleitores e garantir curral certo nas lides eleitorais. As práticas aqui repudiadas, além de frustrar a eticidade e a transparência na atuação dos governantes estatais, provocam sérios prejuízos ao erário e mitigam a efetividade da legislação que estabelece o sistema de cotas para trabalhadores com deficiência.
Isto porque, em eventuais fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas prestadoras de serviços que não tiverem número suficiente de portadores de necessidades especiais em seu quadro de funcionários é que serão responsáveis pelo descumprimento do sistema de cota, e não a Administração Pública, real empregadora.
Como as prestadoras de serviços apenas admitem os trabalhadores que irão satisfazer as necessidades do ente público (maior cliente e, por vezes, o único que possuem) serão penalizadas com onerosas multas.
As admissões ilegais, assim, que reduzem as possibilidades de o trabalhador deficiente ter acesso ao emprego – a não ser que o próprio gestor tenha o interesse de concedê-lo – não devem ser toleradas, evitando que a formação de uma competente e proba Administração Pública e a construção de uma sociedade aberta, pluralista e fraterna torno-se um sonho inalcançável.
A questão, que não se cinge aos estreitos limites de mera contratação irregular de terceirizados, mas se amplia ao nível de desobediência ao preconizado pela Carta de 1988 e pela legislação infraconstitucional vigente, em flagrante prejuízo ao interesse público, deve ser solucionada através do combate a reprováveis práticas, com a responsabilização da autoridade pública.
Deve-se buscar uma fórmula responsabilizatória mais consentânea com a realidade socioeconômica e normativa trabalhista, pois não se pode conceder privilégio anti-social à Administração Pública nestas situações. Deve-se criar um mecanismo hábil a propiciar que o ilícito aqui tratado não perpetre maiores benefícios ao seu praticante. [37]
Enquanto o ente estatal torna-se um dos agentes que incentiva o descumprimento das leis que cria, o trabalho terceirizado padece com a intensa precarização – já que, embora exerça as mesmas funções que os servidores públicos, o empregado nesta situação aufere menores salários e vantagens.
A concretização dos direitos fundamentais, particularmente, os sociais, tendo em vista seu caráter positivo, a exigir atuação por parte do Estado, bem como as limitações de ordem orçamentária que se lhes impõe, [38] exige, hodiernamente, que se dêem novos impulsos, já que as reais condições para seu exercício precisam ser criadas. [39]
Na atual ordem jurídica, reafirmam-se e se ampliam os direitos fundamentais, indispensáveis para alcançar uma existência digna. No conceito de Estado Democrático de Direito, compreende-se a promoção de direitos de várias ordens, como o direito à moradia, à saúde, à educação, à educação, ao pluralismo político. Os valores da justiça e da dignidade da pessoa humana são seus principais valores.
O Estado, como nunca, deve estar empenhado em assegurar os bens e direitos que garantam a dignidade de todos os cidadãos. [40] Aliás, é nesse fundamento que se constitui o Estado Democrático Brasileiro (art. 1º, inciso III, CF/88).
Desta feita, o papel que é conferido ao Estado para que se assegure o exercício dos direitos individuais, da liberdade, da segurança, do bem-estar, do desenvolvimento, da igualdade e da justiça, não se mostra compatível com casos em que o próprio poder público ignora medidas que tentam assegurar o acesso ao direitos fundamentais sociais e seu gozo.
Ao seu lado, deve caminhar, nos mesmos passos, a iniciativa privada, a quem também cumpre, a preservação de direitos fundamentais, já que inaceitável desproteger o cidadão diante do poder social, muitas vezes protagonistas de violações e abusos àqueles direitos.
O trabalho não deve ser visto como mera atividade econômica, mas como elemento concretizador da dignidade da pessoa humana. Não pode ser simples mercadoria, objeto comerciável, tampouco desprezado, já que funciona como difusor da harmonia social. Mesmo numa economia de mercado, a impor, em diversos momentos a desregulamentação, a flexibilização de direitos, o trabalho deve ser admitido como principal meio de inserção social. [41]
O Estado, pois, não deverá estimular práticas de terceirização ilícita, tirar proveito financeiro das contratações irregulares – sob o falso argumento de que seria um expediente menos oneroso que a realização de concursos públicos – nem, tampouco, dificultar o acesso de empregados terceirizados que sejam deficientes de conquistar espaço no competitivo mercado.
É inconcebível que não se possa harmonizar a utilização da terceirização na Administração Pública com as contratações compulsórias de deficientes – até porque não há nenhum conflito entre ambas.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


A terceirização, entendida como contratação de empresas especializadas para a execução de atividades que não constituem o objeto principal da entidade contratante, constitui prática cada vez mais observável nas economias capitalistas.
No Brasil, a terceirização vem sendo amplamente adotada, notadamente pelas grandes empresas, que procuram desvencilhar-se das atividades-meio e concentrar suas estratégias nas atividades-fim, como forma de viabilizar seu crescimento sem perda da competitividade. A modalidade também é largamente utilizada pelo segmento estatal, o primeiro a receber regulamentação da matéria, e estimulada para a execução de certas atividades, com o objetivo de descentralizar a máquina administrativa.
No entanto, verifica-se que não apenas as atividades meramente operacionais (limpeza, conservação, vigilância) da Administração Pública são desempenhadas por trabalhadores terceirizados. Inúmeros serviços ligados à finalidade estatal são desempenhados por profissionais que se inseririam no âmbito público sem a prévia aprovação em concurso, o que infringe a vedação inserida no art. 37, II e 2º, da Constituição Federal de 1988.
Além desses inúmeros casos de ilegalidade na condução dos serviços públicos, destacou-se neste estudo um caso peculiar em relação às terceirizações ilícitas: o descumprimento do art. 93, da Lei nº. 8.213/91, que determina a contratação compulsória de pessoas portadoras de deficiência.
Embora de forma sucinta, vislumbrou-se situação em que o Estado propicia a precarização do trabalho nas terceirizações ilícitas e, ainda, mais gravemente, dá ensejo a práticas que dificultam a realização de direitos fundamentais sociais, quando restringe o acesso ao emprego de trabalhadores deficientes, ao invés de criar condições de seu pleno desenvolvimento e vida digna.
Embora o caso mencionado seja inconcebível diante de um Estado Democrático de Direito, fundado em valores sociais e na promoção do trabalho, como forma de expressão da dignidade humana, não se tem, ainda, medida responsabilizatória específica para enfrentar a ilicitude praticada pelos agentes públicos e impedir sua perpetuação pelas sucessivas gestões.
Isto porque, a despeito do crescimento da terceirização, falta clareza quanto à compreensão da dimensão e da extensão das transformações que o fenômeno tem produzido no mercado de trabalho e na ordem jurídica do país. Muitas questões sobre a contratação de mão-de-obra terceirizada – a exemplo da responsabilidade da Administração Pública, se subsidiária, se solidária, ou se nenhuma das duas - são objeto de discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
Tais circunstâncias induzem à realização de um destacado esforço hermenêutico, com vistas a compreender a natureza do referido processo e do encontro da ordem jurídica a ele aplicável, evitando que se torne uma antítese dos princípios consagrados pelo Direito do Trabalho.
O fenômeno da terceirização, que tem se desenvolvido de forma rápida, não poderá deixar de merecer cuidadoso esforço de normatização do legislador pátrio, deixando inúmeras questões a serem resolvidas.





6. REFERÊNCIAS

ANDRADE, Dárcio Guimarães de. Terceirização atividade-fim e atividade-meio: Enunciado n. 331 do TST. LTr - Suplemento Trabalhista. São Paulo, n. 172, p. 931-35, 2000.

ANTUNES, Ricardo. A desconstrução do trabalho e a perda de direitos sociais. In: PINTO, Roberto Parahyba de Arruda (coord.). O direito e o processo do trabalho na sociedade contemporânea. Homenagem a Francisco Ary Montenegro Castelo. LTr: São Paulo: 2005.

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.

CARTAXO, Demóstenes Carvalho Rolim. A proteção ao trabalhador em face da automação: visão atual do direito brasileiro. 142f. Dissertação – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2003.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.

__________. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2008.

DINIZ, José Janguiê Bezerra. O fenômeno da terceirização. Revista LTr. São Paulo: LTr, n.2, v.60, fev./1996.

FERRAZ, Fernando Basto. Terceirização e outras formas de flexibilização do trabalho. São Paulo: LTr, 2006.

JUSTEN FILHO, Marçal.  Comentários á Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª. Ed. São Paulo: Dialética, 2009.

KRELL, Andréas Joachim. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org). A Constituição Concretizada: Construindo pontes entre o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

LIMA, Francisco Gérson Marques de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho. Anotações à lei nº. 9.029/95, em confronto com as leis nº. 9.263/96, 7.716/89, 7.437/85 e 9.459/97 (aspectos trabalhistas e penais). São Paulo: Malheiros, 1997.

LIMA, Ana Karmen Fontenele Guimarães. Contratação Compulsória. 106f. Monografia - Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2008.

MACIEL, José Alberto Couto. Desempregado ou supérfluo? São Paulo: LTr, 1998.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Alcance da responsabilidade laboral nas diversas formas da prestação se serviços por terceiros. In: Revista de Direito do Trabalho, nº. 31. Curitiba: Gênesis,1995.

RIBEIRO, Lúcio Flávio Apoliano. A terceirização de serviços na ordem jurídica brasileira. 197f. Dissertação – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2004.

SILVA, Eduardo de Azevedo. Fornecimento de serviços e de mão-de-obra. In: Revista Trabalho & Processo, n. 4. São Paulo: Saraiva, 1995.

SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTR, 2004.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009.

SÍMON, Sandra Lia. O Ministério Público do Trabalho e a tutela da pessoa portadora de deficiência. In: Defesa dos Direitos das pessoas portadoras de deficiência. ARAÚJO, Luiz Alberto David (org.). São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2006.

UNIÃO. Ministério Público do Trabalho. Manual – Inserção da pessoa portadora de deficiência e do beneficiário reabilitado no mercado de trabalho. Disponível em: <www.pgt.mpt.gov.br>. Acesso em: 10.06.2008.





[1] Como bem registra Lúcio Flávio Apoliano, “o desenvolvimento econômico do mundo atual transforma a estrutura clássica das empresas, que antes era totalmente vertical, auto-suficiente, responsável por todas as fases do processo produtivo. Atualmente, as modernas estruturas empresarias são flexíveis e caracterizadas por uma desconcentração da produção, mediante a abstenção de várias atividades, as quais são delegadas a outras. Os sistemas de franquia e de cooperativas são exemplos destas novas técnicas que levam a um aumento da competitividade entre as empresas, pelo aprimoramento da qualidade dos seus produtos e ao incremento da atividade”. RIBEIRO, Lúcio Flávio Apoliano. A terceirização de serviços na ordem jurídica brasileira. 197f. Dissertação – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2004, p. 48.

[2] RIBEIRO, Lúcio Flávio Apoliano. Op. Cit., p. 58.

[3] DINIZ, José Janguiê Bezerra. O fenômeno da terceirização. Revista LTr. São Paulo: LTr, n.2, v.60, fev./1996, p. 206.

[4] RIBEIRO, Lúcio Flávio Apoliano. Op. Cit., p. 61

[5] Como ressalta Godinho, “embora a terceirização trabalhista não seja, necessariamente ,redutora de postos de trabalho, ela é, essencialmente, desorganizadora do sistema de garantias e direitos estipulados pelo Direito do Trabalho. Nesta medida ela propicia, ao menos em um momento inicial, significativa redução de custos empresarias”. DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. Entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2008b, p. 44.

[6] “Acima da globalização e do interesse de aumentar a produção reduzindo custos está a dignidade do trabalhador, devendo sempre surgir o Estado como agente moderador a fim de controlar melhor essa interferência externa”. MACIEL, José Alberto Couto. Desempregado ou supérfluo? São Paulo: LTr, 1998, p. 106.

[7] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009a, p. 428.

[8] Somente em relação às empresas prestadoras de trabalho temporário (Lei 6.019/74) existe a previsão solidária da empresa tomadora, e ainda assim, apenas no caso de falência da prestadora de serviços.

[9] FERRAZ, Fernando Basto. Terceirização e outras formas de flexibilização do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 245.

[10]ANDRADE, Dárcio Guimarães de. Terceirização atividade-fim e atividade-meio: Enunciado n. 331 do TST. LTr - Suplemento Trabalhista. São Paulo, n. 172, p. 931-35, 2000, p. 932.

[11] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Alcance da responsabilidade laboral nas diversas formas da prestação se serviços por terceiros. In: Revista de Direito do Trabalho. Curitiba: Gênesis, n. 31, v.6, jul./1995, p.10.

[12] Há quem defenda, ainda, que a idéia de que a adoção da técnica de terceirização origina redução de custos seja ilusória, já que os custos da empresa tomadora de serviços serão apenas transferidos para a empresa prestadora de serviços, que terá que contratar funcionários, realizar o treinamento dos empregados, arcar com os encargos sociais, adquirir bens de produção.

[13] [...] A terceirização de serviços não implica necessariamente a ocorrência de marchandage, instituto mundialmente execrado e banido pelos diversos sistemas jurídicos. Em face do conceito de marchandage, que significa arrendamento, locação ou tráfico ilícito de mão-de-obra, praticado por empresas inidôneas e sem capacidade de arcar com suas obrigações trabalhistas, a terceirização trouxe, de fato, um grande problema para o Direito do Trabalho, dado que nem sempre é fácil distinguir entre a terceirização lícita e este tipo fraudulento de intermediação de mão-de-obra. RIBEIRO, Lúcio Flávio Apoliano. Op. Cit., p. 66.

[14] SILVA, Eduardo de Azevedo. Fornecimento de serviços e de mão-de-obra. In: Revista Trabalho & Processo, n. 4. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 18.

[15] Segundo a Lei nº. 6.019/74, trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou acréscimo extraordinário de serviços (art. 2º).

[16] DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit., p. 437.

[17] EMENTA: Não há que se falar em cerceamento do direito à produção de prova, pois o reclamante, mesmo expressamente ciente de que deveria conduzir suas testemunhas, independentemente de notificação, sob as penas do parágrafo 1º, do art. 412, do CPC, deixou de fazê-lo, acarretando o encerramento de sua prova. 1. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - VÍNCULO DE EMPREGO COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. A intermediação ilegal de mão-de-obra firma o vínculo diretamente com o tomador de serviços, consoante Súmula 331 do TST, donde não é possível conferir-se procedência ao pleito de vínculo empregatício com a cooperativa e tão-somente de responsabilidade subsidiária da COELCE. RECURSO ORDINÁRIO conhecido e improvido. (TRT 7ª Região, RO nº. 1422-2004-012-07-00-6, Rel. Des. José Antônio Parente da Silva, julgado em 07.10.2006, DOE 4.08.2006).

[18] Nesse sentido, o STF já entendeu que: “Contratos de trabalho. Locação de serviços regida pelo Código Civil. A contratação de pessoal por meio de ajuste civil de locação de serviços. Escapismo à exigência constitucional do concurso público. Afronta ao art. 37, II, da Constituição Federal”. (STF, ADIn 890, Rel. Min. Maurício Correa, julgamento em 11.09.03, DJ de 6.02.04).

[19] DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit., p. 446.

[20] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. Cit., p. 446.

[21] Sobre o assunto, sugere-se a leitura de MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

[22] Há quem defenda que a responsabilidade deva ser solidária: “mais conveniente teria sido edição de lei atribuindo ao tomador de serviços a responsabilidade solidária de todas as empresas integrantes da cadeia produtiva, para assegurar ao obreiro maior garantia, à semelhança do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha (art. 42). BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 429.

[23] Como ressalta Otávio Pinto e Silva, “buscou-se com isso a proteção do trabalhador, pois a garantia econômica dos direitos trabalhistas dos empregados da empresa prestadora de serviços não poderia ficar entregue exclusivamente a ela, em função da sua eventual idoneidade”. SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTR, 2004, p. 72.

[24] Dentre muitos, destaca-se JUSTEN FILHO, Marçal.  Comentários á Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª. Ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 783.

[25] Nesse sentido: Agravo de instrumento – Responsabilidade subsidiária da Administração Pública por débitos trabalhistas – confronto da Lei nº. 8.666/93com o Enunciado nº. 331/TST (inciso IV) – Contencioso de mera legalidade – Recurso improvido – [...] Situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição não viabilizam o acesso à via recursal extraordinária, cuja utilização supõe a necessária ocorrência de conflito imediato com o ordenamento constitucional. Precedentes. – A discussão em torno da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, por débitos trabalhistas, fundada no confronto da lei nº 8.666/93 com o Enunciado nº 331/TST (inciso IV), não viabiliza o acesso à via recursal extraordinária, por tratar-se de tema de caráter eminentemente infraconstitucional. (AgRg  no AI nº 580.049/DF, 2ª T. , Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18.04.2006, DJ de 29.09.2006).

[26] Sobre o assunto, conferir: LIMA, Ana Karmen Fontenele Guimarães. Contratação Compulsória. 106f. Monografia - Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2008.

[27] Em outro estudo, a despeito das polêmicas, defendíamos que os jornalistas configuravam mais um caso de contratação trabalhista compulsória, especialmente em razão das atividades que desenvolvem e os interesses envolvidos no exercício da livre manifestação de idéias. Com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº. 511961, reconhecendo a inconstitucionalidade da exigência de diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão, preferiu-se não incluir tal profissional dentre as hipóteses aqui suscitadas de inserção forçada de trabalhadores no mercado de trabalho, pois, com o advento do julgamento da Colenda Corte, são necessárias considerações maiores das que as feitas neste estudo.

[28] Destaque-se, ainda, que a atenção da comunidade internacional ao deficiente esteve inserta em diversos diplomas: quando a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 1971, a Declaração dos direitos das pessoas com retardo mental e, em 1975, quando aprovou a Resolução XXX/3.447, que consistia na Declaração dos direitos das pessoas deficientes.
[29] Medidas que propiciem o tratamento prioritário e adequado, na área de formação profissional e do trabalho, tendente a viabilizar a efetiva integração social das pessoas portadoras de deficiência, possuem previsão, ainda, na Lei nº. 7.853/89. Dentre elas, citamos: o apoio governamental à formação profissional, e a garantia de acesso aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação profissional; o empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns; a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores público e privado, de pessoas portadoras de deficiência, bem como a adoção de legislação específica em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das pessoas portadoras de deficiência.

[30] Esse tratamento existe não só no âmbito da administração pública direta, mas também nas empresas públicas e sociedades de economia mista. Embora tais pessoas se sujeitem ao regime das empresas privadas para fins de legislação do trabalho, possuem a obrigatoriedade de realização de concurso público para admissões (art. 37, II, c/c art. 173 da CRF/88).

[31] UNIÃO. Ministério Público do Trabalho. Manual – Inserção da pessoa portadora de deficiência e do beneficiário reabilitado no mercado de trabalho. Disponível em: <www.pgt.mpt.gov.br>. Acesso em: 10.06.2008.

[32] Considera-se pessoa portadora de deficiência habilitada aquela que concluiu curso de educação profissional de nível básico, técnico ou tecnológico, ou curso superior, com certificação ou diplomação expedida por instituição pública ou privada, legalmente credenciada pelo Ministério da Educação ou órgão equivalente, ou aquela com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (art. 36, § 2º, Decreto nº. 3.298/99), bem como pessoa portadora de deficiência habilitada que, não tendo sido submetida a processo de habilitação ou reabilitação, esteja capacitada para o exercício da função (art. 36, § 3º, Decreto nº. 3.298/99).

[33]Acrescente-se, ainda, que o legislador preceituou como crime, no art. 8º, da Lei nº. 7.853/89, quem nega, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho.

[34]Importante destacar que “o trabalho do deficiente físico não importa unicamente ao próprio indivíduo minusválido. O interesse é da sociedade. Deveras, da labuta de todos advém a produção nacional, importando ao mercado o maior contingente possível de mão-de-obra ativa. Outrossim, as mentes desocupadas, estratificadas em corpos estagnados, não pensam nada de bom e há tendência natural de maquiavelarem atitudes diabólicas e perniciosas em geral (não é à toa que o milenar provérbio salienta: O trabalho dignifica o homem). E, psicologicamente, a sensação de utilidade impõe ao indivíduo maior gosto pela vida, afetando toda a funcionalidade orgânica de seu corpo e as relações intersubjetivas, na melhor convivência com os semelhantes e a família”. LIMA, Francisco Gérson Marques de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho. Anotações à lei nº. 9.029/95, em confronto com as leis nº. 9.263/96, 7.716/89, 7.437/85 e 9.459/97 (aspectos trabalhistas e penais). São Paulo: Malheiros, 1997, p. 203.

[35] “O trabalho, mais que fonte de riquezas, gerador de capitais e atributo essencial da atividade econômica, é sobretudo harmonizador maior dos problemas sociais e de inúmeras mazelas da sociedade moderna. É através do trabalho que o homem consegue o seu sustento e com esse a dignidade de ser pensante.” CARTAXO, Demóstenes Carvalho Rolim. A proteção ao trabalhador em face da automação: uma visão atual do direito brasileiro. 142f. Dissertação – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2003, p. 80.

[36] LIMA, Francisco Gérson Marques de. Op. cit., p. 287.

[37] Para o caso das contratações irregulares de empregados públicos, destaque-se, deve a autoridade responsável ser punida como impõem o art. 37, II e §§ 2º e 4º da Constituição Federal, combinado com os arts. 1º, 2º, 4º, 10º incisos I, II, XI e XII, 11 e inciso I, e art. 12, inciso II, da Lei n. 8.429, de 2.6.92. Isto porque, as contratações procedidas, em contrariedade ao disposto no art. 37, II, da Carta Magna constituem crime de responsabilidade e prática de ato de improbidade administrativa, ensejando, também, a devida reparação de danos causados ao erário mediante ação regressiva e suspensão de direitos políticos, nas esferas cível e eleitoral.

[38] Acerca da “reserva do possível” em matéria de direitos fundamentais, confira-se BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

[39] SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 241.

[40] Sobre o assunto, como bem salienta Andréas Krell, “o Estado não é chamado somente para preservar e proteger o funcionamento livre da ordem econômica, mas para desenhar e planejar a vida social e o futuro da sociedade como um todo. Esse tipo de Estado Social já ultrapassa nas suas finalidades e pretensões o modelo do clássico Welfare State e procura a harmonia entre, num lado, idéias liberais de uma economia livre e, no outro, a igualdade de chances e a distribuição de riquezas”. KRELL, Andréas Joachim. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org). A Constituição Concretizada: Construindo pontes entre o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 37.

[41] Acerca das terceirizações e da espoliação do trabalho humano, Ricardo Antunes destaca que:”Essa reestruturação produtiva fundamentou-se ainda no que o ideário dominante como empresa enxuta. A empresa enxuta, a empresa moderna, lean production, a empresa que constrange, coíbe, limita o trabalho vivo, ampliando o maquinário tecno-científico, que Marx denominou como trabalho morto. E redesenha cada vez mais a planta produtiva, reduzindo força de trabalho e ampliando a sua produtividade. O resultado está em toda parte: desemprego explosivo, precarização ilimitada, rebaixamento salarial, perda de direitos, etc. Esse é o desenho admirável do mundo do capital”. ANTUNES, Ricardo. A desconstrução do trabalho e a perda de direitos sociais. Ricardo Antunes. In: PINTO, Roberto Parahyba de Arruda (coord.). O direito e o processo do trabalho na sociedade contemporânea. Homenagem a Francisco Ary Montenegro Castelo. LTr: São Paulo: 2005, p. 376-377.

Nenhum comentário:

Postar um comentário