Vivendo o que denominaram de “grande instabilidade jurídica” que “dá margem a inúmeras injustiças”, 363 brasileiros contratados para trabalhar em representações diplomáticas do Brasil nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, México, Canadá, França e Suíça desencadearam um inédito movimento que pode terminar em uma greve.
Como explicaram em carta à presidente Dilma Rousseff, em maio passado, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (em junho) e aos senadores Paulo Paim (PT-RS), Eduardo Suplicy (PT-SP), Aécio Neves (PSDB-MG), Álvaro Dias (PSDB-PR), Cristovam Buarque (PDT-DF), Marcelo Crivella (PRB-RJ) e Roberto Requião (PMDB-PR), “pedimos em conjunto mais do que apenas um aumento ou reposição salarial, cansados que estamos de viver sem uma definição clara das regras e relações de trabalho”.
Nenhuma das cartas recebeu qualquer resposta. O Ministério das Relações Exteriores finge que o movimento não existe, segundo representantes do grupo, que preferem não se identificar com medo de represálias: “Queremos estar protegidos, pois virão como leões para cima de todos nós, disso já sabemos, pois são anos de convivência”.
O movimento denominado de “Operação Despertar!” envolve trabalhadores contratados após processo seletivo, todos eles bilíngues, que como definiram nas cartas aos senadores, “vivemos há décadas em uma espécie de limbo jurídico que, nos últimos anos, só fez piorar”. Em 1993, através do Decreto 1.570, ficou estabelecido que as relações trabalhistas destes servidores seriam regidas pelas leis dos países onde prestam serviços. Na realidade, segundo dizem nas cartas, não é isto o que acontece, mas sim a “aplicação da lei da conveniência, pela qual vale o princípio que o empregador decide ser o melhor”.
Nos Estados Unidos, por exemplo, de todos estes empregados contratados o Ministério das Relações Exteriores desconta na fonte a contribuição para o INSS pelo teto máximo. Apesar disto, o único benefício a que têm direito é a aposentadoria futura, nenhum dos outros benefícios concedidos aos trabalhadores brasileiros — aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente, auxílio-doença, auxílio-reclusão, salário-família e salário maternidade — lhes é dado. Também não recebem o 13º salário, um terço do salário como abono de férias, nem têm direito ao FGTS, ou seja, nenhum dos benefícios previstos na CLT.
Os empregados do Consulado de Chicago, segundo informam os representantes do movimento, não aderiram ao abaixo assinado por terem sido ameaçados por seus superiores que acenaram com a possibilidade de demissão. O clima, naquele posto diplomático, é de revolta.
As reclamações são muitas, sempre em torno do cumprimento das leis. Na carta aos senadores, os trabalhadores das representações diplomáticas nos Estados Unidos reclamam que tiveram o 13º salário suspenso a partir do Decreto 1.570. Alegam, porém, que como o Itamaraty não adota a prática americana de pagamento por semana ou quinzena trabalhada, deixam de receber quatro semanas por ano: “quando o trabalhador é pago mensalmente, o mês é calculado aproximadamente em 4 semanas. Pela lógica, 4 vezes 12 resultam 48 semanas. O ano, no entanto, tem 52 semanas. Nos Estados Unidos, essa diferença não se aplica porque o pagamento é semanal ou quinzenal. Antigamente, o 13º compensava a perda salarial na variação de semanas, mês a mês. Hoje, não mais. Então, não se segue nem o princípio local, nem o brasileiro”.
Na carta à presidente Dilma Rousseff eles também se queixam quanto à falta de aumento dos salários e ao anúncio de que continuarão sem reajuste por conta do corte de despesas determinado por ela no início do ano. “Recebemos a informação no início de 2011, que não poderíamos sequer solicitar reajuste e/ou aumento para o ano em curso, tendo em vista as atuais restrições orçamentárias. Ocorre, porém, que vários de nós estão sem reajuste salarial há anos. Enquanto isto, mesmo em países como os Estados Unidos, o custo de vida aumentou e continua a aumentar, e muito, achatando o nosso salário para níveis impossíveis de sobrevivência”.
Eles destacam no documento à presidente que o salário inicial oferecido nos editais dos processos seletivos de 1996 era de US$ 2 mil. No edital de 2010, o piso salarial passou para US$ 2.200. “Um aumento de apenas 10% para um período de 14 anos. Este valor vigora até os dias de hoje, o que comprova a falta de uma política de reajuste salarial que reponha, pelo menos, as perdas inflacionárias, que, segundo dados econômicos norte-americanos, ao salário inicial deveria ter sido acrescido 50%”. Pelos cálculos que fizeram, em 1996 o salário inicial correspondia a 17,85 salários mínimos brasileiros que hoje equivaleria a US$ 6.080. Eles ainda citam que apenas no consulado de Washington, no último mês de março, foram arrecadados com a expedição de 446 passaportes e 3.123 vistos nada menos do que US$ 334.415.
Reclamam ainda de serem obrigados a “responsabilizar-se pelo celular do Plantão da Repartição Consular, sem qualquer remuneração extra ou compensação na carga horária. Eventualmente, recebemos ligações de autoridades brasileiras, estrangeiras, cidadãos em situação de emergência, imprensa, famílias buscando por parentes perdidos ou envolvidos em desastres, necessitando de ajuda imediata, e temos a responsabilidade de tomar as providências cabíveis. Neste caso, as leis trabalhistas brasileiras e locais são desrespeitadas”. Alegam que quando trabalham nos fins de semana, nada recebem em troca quando, pelas leis americanas fariam jus entre 1,5 e 2 vezes o valor da hora paga na semana comercial. Pela legislação brasileira, aos sábados teriam direito a 50% na diária e aos domingos 100%.
Segundo informaram à presidente Dilma, “muitos de nós têm pedido demissão”. Mas dizem não crer “que esta seja uma solução para empregado e empregador, uma vez que a evasão é perniciosa ao Ministério. Cada vez que um sai, outro processo seletivo tem que ser realizado e um novo funcionário precisa ser treinado”.
Aos senadores, alertam que “a falta de regras claras e a imprecisão dos contratos de trabalho assinados com o empregador geram grande instabilidade jurídica e dá margem a inúmeras injustiças, pois as questões são via de regra resolvidas caso a caso, muitas vezes dependendo da persistência e do empenho pessoal do empregado”. Depois confessam se sentirem “abandonados pelo nosso próprio país, que não parece querer resolver a situação de forma permanente, mas sim transferir o ônus para um país que nem sempre está preparado juridicamente para regulamentar as relações entre missões estrangeiras e contratados locais”.
À presidente eles reivindicam que ela “se sensibilize e reconsidere a nossa situação”. Confessam terem “grande admiração por sua história pessoal e política, que sabemos, foi sempre voltada para a democracia e a justiça social”. E lembram, por fim, que “nós contratados locais, empenhamo-nos diariamente na ponta de cá da política externa brasileira, mas temos perdido nossa dignidade como trabalhadores”.´
Fonte: Marcelo Auler / Consultor Jurídico (Texto apdaptado)
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