quarta-feira, 18 de junho de 2025

Estágio: os riscos do PL 4477/2024

A Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008) passa por algumas propostas de alteração na Câmara de Deputados. É o que ocorre com o PL 1813/2023, do Deputado Jonas Donizette (PSB/SP), de 12.03.2023, que visa alterar o art. 12 da atual Lei de Estágio, para fixar valores mínimos para a bolsa ou outra forma de contraprestação concedida ao estagiário. O PL ainda se encontra em tramitação, a passos lentos.

Mas outro projeto ganha corpo na Câmara. Trata-se  do PL 4477/2024, da Deputada Ely Santos (Republic/SP), que permite a contratação de recém-formados, com até dois anos de conclusão do curso, como estagiários. A proposta também dispensa a obrigatoriedade de supervisão do estágio por professor ou representante da empresa, nos casos de contratação de recém-formados. Este PL é encampado pelo Deputado Romero Rodrigues (Pode-PB). A proposta legislativa tramita em caráter conclusivo e será analisada pelas comissões de  Trabalho; de Educação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Entre as razões apresentadas no PL estão os números encontrados de desempregados entre os recém-formados. Assim, a medida teria o objetivo de propiciar ingresso dessas pessoas no mercado de trabalho.

No entanto, o PL 4477/2024 preocupa porque cria uma forma de estágio que foge dos propósitos deste instituto, que é o educativo e que tem, por essência, a supervisão escolar e o acompanhamento, na cedente, de profissional da área, que orientará o(a) estagiário(a). Estágio em que a relação não é triangular nem possui caráter orientativo, não é estágio, é emprego disfarçado de forma precarizada de trabalho. 

De fato, essa nova modalidade de estágio não prevê salário-mínimo, previdência social etc. A cedente pagará simples "bolsa", que não possui natureza salarial. Não pagará férias, 13º, não recolherá FGTS etc., embora o trabalho seja pessoal (intuitu personae), desenvolvido com subordinação, habitualidade e por pessoa física. Ou seja, possui exatamente os requisitos da relação de emprego. Ora, o que retira o estágio da condição de emprego é, justamente, a finalidade educativa, consubstanciada na presença de uma Instituição de Ensino, que supervisiona o trabalho do estudante. Se tirar esta condição, ter-se-á uma típica relação de trabalho subordinado, nos moldes do art. 3º da CLT. 

Então, caso aprovado o citado PL, ter-se-á mais um desvirtuamento da relação de trabalho, contrariando os ditames estabelecidos na Constituição. A rigor, ter-se-á uma típica relação de emprego em que o patrão poderá contratar trabalhadores mediante pagamento de bolsas inferiores ao salário mínimo, sem encargos sociais e sem obrigações trabalhistas. É de se imaginar o impacto que isso acarretará na Previdência e no FGTS! 

Tal projeto não contribui para a empregabilidade e, na verdade, é desnecessário, pois já existe legislação sobre aprendizagem, contratações temporárias e relações autônomas de trabalho. Viola a Constituição a norma que permite empresas contratarem trabalhadores sem vínculo de emprego, sem ser autônomos, com pagamento de meras "bolsas", sem nenhuma finalidade educativa e sob as características da relação empregatícia.

Sem nenhuma supervisão, sem fiscalização, sem garantia de salário mínimo, sem sindicatos (sim, os estagiários não possuem sindicatos), sem proteção trabalhista, sujeitos apenas às determinações empresariais ou, mesmo, de gestores públicos, esses estagiários serão presas fáceis dos males da precarização, inclusive dos assédios (moral, sexual, eleitoral). A sistemática será pior do que a terceirização, na qual o trabalhador possui, pelo menos, vínculo de emprego reconhecido com a empresa terceirizada.

O PL 4477/2024 caracteriza como recém-formados os graduados há, até, dois anos. Esses graduados não terão sido absorvidos pelo mercado de trabalho e, portanto, poderão ser contratados como estagiários, diretamente pela empresa (ou Administração Pública, ou profissional liberal), sem vínculo empregatício e sem supervisão de ninguém. Enfim, não é estágio. Quem precisará contratar outro tipo de trabalhador? 

Portanto, não obstante os bons propósitos elencados no PL 4477/2024, referentes à empregabilidade, ele padece de fragilidades constitucionais e sociais, que merecem um repensar e ampla discussão. 

* Prof. Gérson Marques 

PL 4477/2024 - Câmara de Deputados 

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