quinta-feira, 9 de junho de 2022

STF decide que empresa deve negociar com sindicatos nas dispensas em massa

No dia 08/06/2022, o plenário do STF decidiu que as empresas devem dialogar previamente com os sindicatos nos casos de dispensa em massa. Ao julgar o tema 638, o STF decidiu, por maioria de votos, aprovar a seguinte tese, que possui repercussão geral e, portanto, baliza os demais órgãos julgadores:

"A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo".

A intervenção do PGR, com os esforços do MPT, foi fundamental para o caso. Diversos sindicatos e entidades associativas trabalhistas, aceitos como terceiros com interesse na causa, também desempenharam papel fundamental na sensibilização dos ministros da Corte. 

Com este julgado, a decisão do STF impactará nas decisões dos demais tribunais e orientará a atuação das empresas, que precisarão dialogar com os sindicatos nas dispensas coletivas. 

Embora se aguarde a publicação do acórdão, o certo é que a decisão é muito positiva para os trabalhadores, considerando que as empresas vinham despedindo em massa sem conversar com os sindicatos. O julgamento contornou o art. 477-A, CLT, implementado pela reforma trabalhista de 2017, segundo o qual: "Art. 477-A.  As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação." 

Na tese aprovada, o STF não obriga a existência de acordo entre empresa e sindicato (a "autorização sindical"), mas, sim, que haja diálogo, a participação sindical no procedimento das rescisões. Se o acórdão, que ainda pende de publicação, não disser o contrário, isso significa que, ao fim e ao cabo, a empresa permanece com o direito de rescindir, mesmo sob a discordância dos sindicatos. Todavia, sem realizar o prévio diálogo com o sindicato, a dispensa em massa será nula. Logo, a tese confere interpretação literal ao art. 477-A, CLT, que torna dispensável a "autorização prévia de entidade sindical", ao mesmo tempo em que confere sentido social ao texto para exigir a negociação coletiva como parte do procedimento rescisório. 

E, assim, a pretensão da empresa, mesmo que se diga amparada no art. 477-A, CLT, é submetida à análise dos princípios constitucionais que informam o tratamento coletivo do trabalho.

Entenda o caso, na origem:

Em fevereiro de 2009, a Embraer despediu 4.200 trabalhadores da planta em São José dos Campos, interior de São Paulo, correspondendo a 20% da mão de obra da empresa na região. Tal fato causou enorme impacto social, mobilizando a categoria a acionar o poder judiciário, o que resultou no dissídio coletivo de natureza jurídica com pedido de liminar ajuizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e outros em face da Empresa Brasileira de Aeronáutica - EMBRAER S.A e outra (TRT/Campinas, Proc. 0030900-12.2009.15.0000).

Na oportunidade, os suscitantes requereram a concessão de medida liminar, para que fosse determinada a suspensão cautelar das rescisões contratuais e, ao fim do processo, a declaração de nulidade das dispensas coletivas efetivadas sem observância da necessária negociação prévia com os sindicatos. O TRT-15ª Região concedeu a liminar, determinando a suspensão das rescisões contratuais operadas pela suscitada desde o dia 19/02/2009, sem justa causa ou sob o fundamento de dificuldades financeiras decorrentes da crise econômica global, assim como as que viessem a ocorrer sob igual forma ou justificativa até a data da audiência de conciliação, então designada para o dia 05/03/2009. 

Como não houve conciliação no curso do Dissídio, o TRT acabou julgando a causa. No mérito, declarou a abusividade da dispensa coletiva, mas entendeu inexistir garantia de emprego ou estabilidade que justificasse a reintegração (ressalvados os casos previstos em lei e em normas coletivas), concedendo a cada empregado dispensado uma compensação financeira de dois valores correspondentes a um mês de aviso prévio, até o limite de sete mil reais. Além disso, declarou a eficácia da liminar concedida até o dia 13/03/2009, para manter vigentes até essa data os contratos de trabalho em todos os seus efeitos e a manutenção dos planos de assistência médica aos trabalhadores dispensados e seus familiares por 12 meses a contar de 13/03/2009, concedendo direito de preferência aos empregados dispensados no caso de reativação dos postos de trabalho pela empresa.

Ambas as partes recorreram ao TST, o qual, por maioria de votos, deu provimento ao recurso das reclamadas, afastando a declaração de abusividade das dispensas e, por consequência, a prorrogação dos contratos de trabalho; quanto às demais matérias, decidiu o Tribunal Superior negar-lhes provimento, fixando a premissa de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, mas modulando os efeitos desse entendimento para casos futuros. Quanto aos recursos interpostos pelos suscitantes, foram improvidos.

Irresignadas, a EMBRAER e a ELEB Equipamentos Ltda interpuseram Recurso Extraordinário para o STF, alegando que a decisão violara diversos dispositivos constitucionais e que o TST, ao criar condições para a dispensa em massa, atribuíra ao poder normativo da Justiça do Trabalho tarefa que a Constituição reserva a Lei Complementar, invadindo assim a esfera de competência do Poder Legislativo. As empresas afirmaram que sua sobrevivência estaria ameaçada pela interferência indevida no seu poder de gestão, aspecto que viola o princípio da livre iniciativa.

Como o TST inadmitiu o Recurso Extraordinário, as empresas interpuseram Agravo de Instrumento, o qual foi acatado pelo relator, ministro Marco Aurélio, para dar prosseguimento ao apelo (ARE 647651). Ao submeter o processo ao Plenário Virtual do STF, para verificar a ocorrência de repercussão geral no caso, o ministro observou estar diante de situação jurídica “capaz de repetir-se em um sem número de casos”. Para ele, é “evidente o envolvimento de tema de índole maior, constitucional” (plenário, 22.03.2013).

Admitido o recurso e reconhecida a repercussão geral, faltava seu julgamento de mérito. Então, o ARE 647651 foi substituído pelo RE 999435, para análise do tema 638 da Corte. Agora, finalmente, o STF julgou a matéria, lançando a tese mencionada no início deste texto.

Casos pendentes:

Não há indicativo de retroatividade no julgamento a outras situações já consolidadas. Assim, a tese vale para a situação concreta da EMBRAER, para eventuais casos em tramitação no judiciário, para situações empresariais presentes e para as futuras. 

No entanto, convém aguardar a publicação do acórdão, na íntegra, para verificar melhor sua abrangência e outros aspectos. É que na sessão de julgamento não ficou claro, por exemplo, o que se deva entender por "dispensa em massa", uma vez que o direito comparado oferece critérios como: (a) número de trabalhadores despedidos; (b) percentagem dos despedidos, ante o número total da empresa; (c) impacto econômico e social das dispensas no setor produtivo, profissional ou econômico; (d) custos do Estado na rescisão (ex.: seguro-desemprego), etc. 

 

Prof. Gérson Marques

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