domingo, 24 de abril de 2011

Domingueira Especial

A Domingueira de abril fará exceção à regra de publicações de grupeiros para dar espaço ao interessante artigo de Felipe Augusto Araújo Muniz, graduado em Direito pela Faculdade Christus e pós-graduando em MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.
O estudioso, cujo trabalho ensejou a enquete realizada no mês de fevereiro neste blog, escreveu sobre a PEC 231/95, opondo-se, em suas conclusões, à proposta de redução da jornada de trabalho.
Em breve, traremos, como contraponto, artigo com posicionamento favorável, a fim de prestigiar o debate jurídico de qualidade em nosso blog.
Os leitores que assim desejarem, podem manifestar-se sobre a questão, enviando-nos artigos que, após análise pelos grupeiros responsáveis, serão publicados neste espaço.


Análise crítica da PEC 231/95

                                                                                           
1. Introdução 2. Análise crítica da PEC 231/95 3. Conclusão 5. Referência bibliográfica

Resumo
Trata-se de um estudo que tem como objetivo analisar de forma crítica a PEC 231/95 para descobrir se ela se presta a efetivamente atingir os objetivos para os quais foi idealizada.

Palavras-chave
PEC 231/95. Elevada carga tributária.Informalidade.
1. Introdução

Encontra-se em discussão no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 231/95, que tem como principal objetivo reduzir a jornada máxima de trabalho no Brasil de 44 para 40 horas semanais.
Os idealizadores da proposta argumentam que a alteração no texto constitucional terá como conseqüência imediata o aumento da contratação de empregados pelas empresas brasileiras, impulsionando, assim, o crescimento do país. Por outro lado, os empresários afirmam que a redução na jornada de trabalho terá como conseqüência o aumento da inflação.
A discussão sobre a PEC envolve uma série de questões de ordem, política, jurídica e econômica, as quais o presente estudo pretende examinar, para, então, analisar criticamente os argumentos utilizados pelos idealizadores da proposta.

2. Análise crítica da PEC 231/95

A proposta de Emenda Constitucional 231/95, aprovada recentemente pela Comissão Especial da Jornada Máxima de Trabalho da Câmara dos Deputados, prevê além da redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais sem redução nos salários, também um aumento no valor da hora extra de 50% para 75%.
De acordo com os idealizadores e defensores da proposta, a medida importaria em imediato crescimento da economia brasileira, uma vez que, precisando de mais empregados, as empresas contratariam mais. Fala-se em números entre dois e quatro milhões de empregos.
Argumenta-se, ainda, que esta simples mudança importaria numa elevação do nível dos empregos e dos salários, o que fortaleceria o mercado interno, ampliando o consumo e estimulando negócios.
Para legitimar a proposta é bastante comum a utilização do direito comparado, sobretudo o europeu. Afirma-se que os países desenvolvidos adotam carga horária de trabalho de 36 ou 37 horas, o que seria um grande indício de que o ideal é reduzir a jornada de trabalho. Mas será realmente adequado querer aplicar o modelo europeu à realidade brasileira?
A lógica por trás deste raciocínio é a de que se os países desenvolvidos têm uma jornada mais reduzida, o Brasil não está na direção certa rumo ao desenvolvimento. A questão, no entanto, não pode ser analisada desta forma, tão simplificadamente.
É obvio que não é um único fator, mas um conjunto de vários fatores que, combinados, fazem com que um país seja ou não desenvolvido, de forma que simples alteração na jornada de trabalho, isoladamente, não tornará o Brasil mais ou menos desenvolvido.
A jornada de trabalho é apenas um dado que, isolado, não diz muita coisa. É preciso analisar o contexto que a envolve, como os direitos trabalhistas, a carga tributária, especialmente a incidente sobre a folha de salários, a realidade sócio-econômica do país, entre outros aspectos, sem os quais, qualquer análise se torna leviana.
A outra idéia, de que a redução terá como conseqüência o aumento imediato no número de empregos, esta também não se sustenta diante de uma análise mais aprofundada.
Não há qualquer dúvida de que a medida representaria uma melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores de uma forma geral, mas será que esta é realmente a verdadeira intenção da proposta? Vejamos.
Em verdade, reduzir a jornada de trabalho sem a redução proporcional do salário nada mais é que verdadeiro aumento salarial, ou seja, mais um ônus para os empresários.
Diante disto, põe-se a questão: será que apesar deste ônus a mais as empresas ainda assim iriam contratar mais empregados?
Antes de tentar responder a esta pergunta, analisemos alguns dados para depois retornar a este ponto.
Estudo periodicamente publicado pelo Banco Mundial, intitulado Doing Business: Measuring Business Regulations [1], que tem como objetivo estabelecer um ranking entre os países do mundo, classificando-os quanto à facilidade de fazer negócios e investimentos (ease of doing business), aponta o Brasil na 129º posição entre os 183 países avaliados.
De acordo com o estudo, o tempo médio para abrir uma empresa no país é de 120 dias, enquanto na América Latina é de 61,7 dias e nos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico) [2], de 13 dias. Já o tempo para fechar é de 4 anos no Brasil, contra 3,3 na América Latina e 1,7 nos países da OCDE.
No campo tributário a situação é bem mais preocupante. O tempo gasto para o pagamento dos tributos, ou seja, com a burocracia (apuração e pagamento ou recolhimento e cumprimento das obrigações acessórias) no Brasil é de 2.600 horas por ano, ao passo que na América Latina a média é de 385,2 horas/ano e nos países da OCDE, 194,1.
Com relação aos tributos a que as empresas, em geral, estão submetidas, destacam-se: a) sobre os resultados incidem o Imposto de Renda – IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL; b) sobre o faturamento incidem o Imposto sobre Produto Industrializado – IPI, Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – Cofins e Contribuição ao Programa de Integração Social – PIS e; c) sobre a folha de pagamentos incidem a contribuição previdenciária (parcela patronal), salário-educação, salário acidente, FGTS, sistema S (SESC, SEBRAE, SENAI, SENAC).
Não obstante o número assombroso de tributos, naturalmente responsável pela maior parte da elevada burocracia de que trata o mencionado estudo do Banco Mundial, o que mais assusta os empresários, na verdade, são as elevadas alíquotas, que representam significativa parcela dos seus rendimentos. Para se ter uma idéia, os tributos incidentes sobre a folha de pagamentos, que mais de perto interessam ao presente estudo, podem chegar a representar uma carga em torno de 34% da folha, uma das mais altas do mundo.
Apenas a demissão sem justa causa deveria representar um ônus substancial ao empregador, como uma forma de segurança de emprego. No entanto, não somente esta, mas também a contratação e manutenção de empregados são extremamente onerosas no Brasil, fato que não é bom nem mesmo para os empregados, uma vez que isto pode ser apontado como um dos principais estímulos à informalidade no país.
Se por um lado é verdade que há uma necessidade de tornar mais dispendiosa a dispensa sem justa causa, por outro lado, não deixa de ser também verdade que os elevados custos para o empresário o desestimula de contratar mais empregados.

O alto custo de contratação e manutenção de funcionários é uma das principais causas do crescimento da economia informal registrada nos últimos anos. Metade dos trabalhadores brasileiros não tem carteira assinada, fenômeno este que barateia os custos para as empresas e desonera os salários recebidos pelos empregados, que em muitos casos não declaram esses rendimentos. [3]

A relação entre o crescimento da informalidade e a elevada carga tributária pode ser explicada por um postulado de economia, segundo o qual quanto maior o ônus do tributo maior a tendência à evasão (lícita ou ilícita).

Essa condição se demonstra na Curva de Lafer [...], que se identifica como um meio círculo virado para baixo. Conforme as alíquotas dos tributos sobem, a arrecadação total vai subindo com ela. Entretanto, esta situação vai até o ponto em que a curva chega á sua máxima altura. A partir daí, a curva começa a descer. Ou seja, depois do ponto máximo, quanto mais se majoram os tributos, menor se revela a arrecadação. [4]

Nas palavras do professor Hugo de Brito Machado Segundo
                                       
Dito por outras palavras, se o tributo tem alíquota de 0,5%, quase todos pagam e a arrecadação é de X milhões de reais. Se o tributo tem sua alíquota elevada para 1%, a arrecadação sobre para "quase" 2X milhões de reais, pois alguns daqueles que pagavam quando era 0,5% começarão a encontrar caminhos, legais ou ilegais, para não pagar. E, finalmente, se tal alíquota passa para 20%, o tributo seguramente não ensejará uma arrecadação de 20X milhões de reais. Haverá um ponto, aliás, em que o aumento da carga começará a implicar uma diminuição da arrecadação, pois o planejamento tributário e até mesmo a sonegação serão compensadores, do ponto de vista meramente econômico. [5]

A partir destes dados e premissas podemos responder à pergunta anteriormente formulada.
Se com a já excessiva carga tributária sobre a folha de salários a informalidade no Brasil é responsável por cerca de 40% da renda nacional bruta, fica difícil acreditar que com mais este ônus a situação da informalidade melhorará. Antes tende a se agravar. “Dizer e defender que a simples mudança de jornada implicará um crescimento exponencial de empregos, de uma só vez e ao impacto de uma singela “canetada” é querer esconder a verdade das pessoas.” [6]
É no mínimo curioso que a redução da carga tributária, conquanto seja medida mais lógica como meio de estimular a geração de empregos, nunca seja apontada como uma opção pelos governantes, frente ao receio do déficit nas contas públicas.
A alta carga tributária incidente sobre a folha de salários, associada à excessiva burocracia, pode ser apontada como uma das maiores causas da informalidade no cenário econômico brasileiro. Para combatê-la, é ineficaz o aumento da fiscalização ou do rigor das punições. Enquanto for excessiva a tributação sobre a folha de salários, acompanhada de uma exagerada burocracia, sempre haverá o estímulo à sonegação e à informalidade.
O tão temido desequilíbrio nas finanças do Estado, no entanto, poderia nem vir a existir, uma vez que a diminuição da carga poderia ser facilmente compensada pelo provável aumento no número empregos formais.
Assim, fica difícil acreditar que a intenção da PEC seja realmente melhorar as condições de emprego no país.


Se o assunto é tempo (os efeitos benéficos da redução da jornada de trabalho na vida do trabalhador) devemos antes nos perguntar: - O que tem sido feito (quais as reais e efetivas medidas públicas) para melhorar o transporte público ou desobstruir o caótico trânsito das grandes capitais? (Redução de IPI para automóveis não se presta para isso...); - Aqueles que “simplesmente defendem a redução de jornada” como elixir mágico sabem que o trabalhador gasta mais de um terço do dia em deslocamentos casa-trabalho/ trabalho-casa? - Quais as medidas e ações que têm sido feitas visando a dar ao trabalhador e sua família mais espaços de lazer e segurança, para que possa desfrutar do chamado “ócio criativo” (dentro e fora da sua jornada de trabalho)? - Em vez de “aumentar” paliativamente os salários, pela via de redução horária, não seria mais justo, moral e inteligente se pôr em prática políticas reais de acesso ao conhecimento e educação? - Quais as políticas e ações desenvolvidas pelos sindicatos para acessibilidade dos trabalhadores a carreiras efetivas, conhecimentos, desenvolvimento profissional, informações sobre a gestão e política de negócio das empresas, participação na administração e conselhos das empresas, a fim de criar sinergia participativa e mecanismos de defesas para os trabalhadores, quanto à manutenção e criação de empregos e políticas ligadas à saúde e segurança, têm sido realizadas? - Quais as ações e políticas desenvolvidas pelos sindicatos para buscar equilíbrio junto à alta carga tributária e excessiva máquina burocrática que orbitam as relações de trabalho? - Quais as políticas e ações desenvolvidas ou propostas pelos sindicatos, na busca de alternativas de trabalho, não limitadas apenas ao chamado “emprego com carteira assinada”? - Quais as medidas, políticas e ações desenvolvidas pelo Governo e pelos sindicatos no sentido de entender, regular e formatar tipos modernos de emprego, como trabalho à distância, teletrabalho, banco de idéias etc.? - O que se tem feito para customizar o trabalho, como condomínios de empresas ou outras práticas coletivas de racionamento de despesas de divisão de responsabilidades? - O que efetivamente se tem efeito, mediante políticas afirmativas para enfrentamento da automação (preparação para inserção de trabalhadores em funções mais nobres e consentâneas com essa nova realidade)? Enfim, não enfrentar esses desafios e substituí-los pelo fácil discurso da redução de jornada, como solução universal de todos os problemas e como remédio eficaz à criação de milhões de empregos, parece um método científico inadequado, a exemplo daqueles contidos nas histórias que os cientistas gostam de contar. [7]

Seja qual for a intenção por trás da PEC 231/95, não é ela aumentar o número de empregos formais no país, aumentar significativamente a qualidade de emprego ou tornar o Brasil um país desenvolvido.
Do contrário, analisando-se do ponto de vista da proporcionalidade, a medida tende a trazer mais prejuízos do que benefícios.

3. Conclusão

A proposta de Emenda Constitucional 231/95, recentemente apresentada no Congresso Nacional, se analisada à luz da economia e do Direito Financeiro, não se presta para realizar os objetivos supostamente perseguidos por seus idealizadores, quais sejam, impulsionar o crescimento da economia brasileira, com considerável aumento no número de contratos de trabalho, bem como elevar o nível dos empregos e dos salários.
Com efeito, tal medida, ao contrário do que preconizam seus idealizadores, por representar um gravame a mais para os empresários brasileiros, já excessivamente onerados, antes tende a desencadear como conseqüência um expressivo aumento na já alta informalidade brasileira.
Não existe crescimento sustentado e sólido sem investimentos estratégicos com base em planejamentos formulados a partir de pesquisas interdisciplinares (econômicas, sociais, jurídicas etc.). No entanto, o imediatismo, arraigado na cultura brasileira, conduz os políticos a sempre procurarem fórmulas mágicas, que, num passe de mágica, impulsione a economia e o desenvolvimento.
Com a medida, na verdade o que os governantes pretendem é, como se diz no ditado popular, fazer “gentileza com o chapéu alheio”, ou seja, com o ônus dos empresários.
Os benefícios que a PEC proporcionará aos trabalhadores são ínfimos se comparados aos prejuízos à sociedade, de forma que está bastante evidente que os interesses por trás da proposta de emenda têm uma conotação mais político-arrecadatória que jurídico-social.

4. Referência Bibliográfica:

ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2010.
AGUIAR, Antonio Carlos. Redução da jornada de trabalho é estratégia política. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-abr-03/reducao-jornada-trabalho-ano-eleitoral-estrategia-politica> Acesso em: 11 maio 2010.
ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti de. Sonegação é foco do problema tributário. Disponível em: <http://www.intercashfactoring.com.br/mais_noticias003.htm>. Acesso em: 23 abr. 2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 05 de outubro de 1988.
LUZ, Sérgio Ruiz. Jogo sujo na concorrência. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/v2009/areascomuns.html>. Acesso em: 23 abr. 2010.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Reforma tributária... Boa para quem? E para quê? Disponível em: <http://direitoedemocracia.blogspot.com/2008/02/reforma-tributria-boa-para-quem-e-para.html>


[1] Disponível no site: http://www.doingbusiness.org/economyrankings. Acesso em: 19.05.2010.
[2] São membros da OCDE a Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia Hungria, Japão, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reio Unido, República Slovênia, República Tcheca, Suécia, Suíça e Turquia.
[3] ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti de. Sonegação é foco do problema tributário. Disponível em: <http://www.intercashfactoring.com.br/mais_noticias003.htm>. Acesso em: 23 abr. 2010.
[4] ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2010. p. 32.
[5] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Reforma tributária... Boa para quem? E para quê? Disponível em: <http://direitoedemocracia.blogspot.com/2008/02/reforma-tributria-boa-para-quem-e-para.html>. Acesso em: 22 mar. 2010.
[6] AGUIAR, Antonio Carlos. Redução da jornada de trabalho é estratégia política. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-abr-03/reducao-jornada-trabalho-ano-eleitoral-estrategia-politica> Acesso em: 11 maio 2010.
[7] Ibid.


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