domingo, 17 de abril de 2011

Na Espanha, o mesmo trabalhador é contratado e demitido várias vezes

Todo primeiro dia do mês tem sido igual na Espanha: dezenas de milhares de pessoas assinam um novo contrato de trabalho. Mas, ignorando o fato de a taxa de desemprego estar em 20,3%, poucos comemoram porque a vaga só vale por algumas semanas. Além disso, boa parte dos contratados já tem um emprego. Na verdade, é exatamente o mesmo que está no "novo contrato".
Essa situação, de cores paradoxais, acontece porque, sem confiança no futuro, as empresas têm usado contratos de curtíssimo prazo para manter funcionários precariamente e, assim, pagar menos encargos. O resultado é que os mesmos empregados têm sido contratados e demitidos mês após mês.
O mercado de trabalho é a face mais dramática da profunda crise econômica enfrentada pela Espanha desde o estouro da bolha imobiliária, entre 2007 e 2008. Passados três anos, o desemprego ainda cresce e já afeta 4,3 milhões de pessoas. Em meados de 2007, eram menos de 2 milhões sem trabalho. Além de fechar milhões de postos de trabalho, a crise também acertou quem tem emprego.
Hoje, trabalhadores temporários já compõem um terço da força de trabalho na Espanha. Há 20 anos, a fatia era próxima de zero e, recentemente, cresceu com a evolução da crise. Nesses contratos, o período de trabalho pode ser desde poucas horas - para, por exemplo, um serviço que durará apenas uma tarde - até meses. Em todos os casos, há uma data certa para o fim do contrato e nenhuma certeza de que o cargo temporário poderá ser transformado em permanente.
"Isso é resultado da flexibilização do mercado trabalhista das últimas décadas. Em tese, a mudança seria boa para um período de crise como o atual, mas as empresas têm aproveitado a situação para reduzir salários e deteriorar as condições dos contratos existentes", diz o pesquisador da Fundação de Estudos de Economia Aplicada (Fedea) e professor da Universidade de Oviedo, Florentino Felgueroso.
Rodízio. Pela legislação espanhola, contratos temporários não geram encargos ao empregador, como a multa rescisória, em caso de demissão. Já nos contratos tradicionais, a demissão de funcionário com um ano de casa gera custo ao empregador equivalente a cerca de 25 dias de trabalho. Há alguns anos, a multa era maior, de cerca de 40 dias.
Ao permitir contratos temporários especiais, a intenção do governo era incentivar a entrada de novas pessoas no mercado de trabalho. Mas, com a crise, a exceção virou regra e quem deveria ter contratos tradicionais - sem vencimento - acaba sendo admitido pela via alternativa. Dependendo do tipo de contrato, a lei permite a renovação por até 24 meses consecutivos.
O resultado é visto nos números oficiais. O calendário do rodízio de admissão e demissão é incrivelmente concentrado: contratações no primeiro dia do mês e nas segundas-feiras. As demissões, por outro lado, sempre às sextas-feiras e no último dia do mês. Ou seja, reflexo de contratos semanais e/ou mensais.
No dia 1.º de fevereiro, por exemplo, foram admitidas quase 70 mil pessoas. Nas sextas-feiras seguintes, foram registradas demissões e, horas antes de o mês terminar, 54.318 espanhóis viram o fim de seus contratos e a consequente demissão. Resultado final: 14.745 trabalhadores registrados a menos no mês, segundo a Previdência Social.
Sindicatos. Em um país de desemprego crescente, os grandes e fortes sindicatos espanhóis se desdobram para tentar combater os problemas. Ninguém admite, mas na lista de prioridades sindicais, o contrato temporário tem concorrentes que são mais importantes.
Atualmente, a nova ameaça vem dos bancos regionais, as "cajas", que têm sofrido uma forçada consolidação estatal para fazer frente aos prejuízos milionários amargados após o estouro da bolha. Após as fusões, milhares devem ser demitidos.
"Para contratar, a legislação é clara: para necessidades permanentes, contratos permanentes. E apenas necessidades temporárias podem gerar contratos temporários. Porém, empresários são reticentes em oferecer contratos tradicionais", lamenta Toni Ferrero, secretário de um dos maiores sindicatos espanhóis, a União Geral dos Trabalhadores.
Entre os associados ao grupo, estão os trabalhadores da construção civil, segmento em que o porcentual de trabalhadores temporários estaria perto de dois terços, segundo estimativas não oficiais.
Muitos dos que acompanham a economia espanhola acreditam que apenas uma reforma trabalhista profunda - com menor custo de admissão, manutenção e demissão dos contratos permanentes - poderia inverter o galopante aumento do trabalho temporário.
"Além da vontade do governo, é preciso que sindicatos e empresários aceitem, o que é pouco provável", diz a estrategista de mercados da IG Markets em Madri, Soledad Pellón. Ela observa, porém, que, mais que qualquer reforma estrutural, será a volta do crescimento econômico que vai permitir a melhora do mercado trabalhista.
Para voltar a crescer, os desafios parecem ainda maiores. Nos últimos dias, o Banco Central Europeu (BCE) aumentou os juros de 1% para 1,25% ao ano, na primeira alta desde maio de 2009. O aperto monetário vai dificultar o investimento das empresas e, pior, aumentará o já elevado comprometimento da renda das famílias espanholas com o pagamento de financiamentos imobiliários - que seguem a taxa do BCE.
O próprio governo reconhece que o problema é grande. Elena Salgado, ministra da Economia, anunciou no começo do mês que a taxa de desemprego deve cair timidamente para 19,8%, em dezembro de 2011, e para 18,5%, um ano depois.
Teoria
FLORENTINO FELGUEROSO
PESQUISADOR DA FEDEA
"Isso é resultado da flexibilização do mercado trabalhista das últimas décadas. Em tese, a mudança seria boa para um período como o atual, mas as empresas têm aproveitado para reduzir salários e deteriorar as condições dos contratos."
Fernando Nakagawa - O Estado de S.Paulo
ESPECIAL PARA O ESTADO / MADRI

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